Adotado por quase 200 países em 2015, o Acordo de Paris se tornou o principal marco da diplomacia climática mundial. Criado para limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, o tratado representa o esforço mais amplo já feito pela humanidade para conter os impactos das mudanças climáticas.
Dez anos depois, porém, o planeta avança na direção oposta: as emissões seguem altas, o desmatamento cresce e eventos extremos se multiplicam. Com a aproximação da COP30, em Belém, e o novo afastamento dos Estados Unidos do pacto, o mundo volta a discutir se a cooperação internacional ainda é suficiente para evitar o ponto de não retorno.
Como surgiu o Acordo de Paris?
O tratado foi firmado em dezembro de 2015, durante a COP21, em Paris, após duas décadas de negociações. Ele substituiu o Protocolo de Kyoto, considerado insuficiente por excluir países em desenvolvimento e por impor metas fixas que poucos cumpriram.
O Acordo de Paris propôs um modelo mais inclusivo: cada país apresentaria suas próprias metas — as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Essa arquitetura flexível permitiu uma adesão quase universal e reconheceu as diferentes condições econômicas e tecnológicas das nações.
O objetivo central é limitar o aquecimento “bem abaixo de 2 °C”, buscando esforços para mantê-lo em 1,5 °C. O pacto também prevê adaptação, transferência tecnológica e financiamento climático para países vulneráveis, mas não impõe sanções a quem descumpre metas — o poder do acordo está na transparência e na pressão política.
Estamos cumprindo as metas?
Segundo o presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Jim Skea, “a principal mensagem é clara: não estamos no caminho certo para cumprir as metas do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5 °C”. O alerta foi feito em 2023, durante a apresentação do relatório de síntese da entidade.

O diagnóstico é reforçado por Valérie Masson-Delmotte, copresidente do Grupo de Trabalho I do IPCC, que já em 2018 advertia que “o aquecimento global provavelmente atingirá 1,5 °C entre 2030 e 2052 se continuar aumentando no ritmo atual”. Desde então, os dados só confirmaram a aceleração das emissões.
Essas projeções tornam a próxima década decisiva. Em 2024, o planeta registrou meses consecutivos com temperaturas médias acima da marca crítica de 1,5 °C — um sinal de que o tempo para reverter o cenário está se esgotando.
Por que os Estados Unidos saíram do acordo?

Os Estados Unidos foram peça-chave na criação do Acordo de Paris, ainda sob o governo Barack Obama, mas sua relação com o tratado tem sido marcada por reviravoltas. Em 2020, o então presidente Donald Trump retirou o país do pacto, alegando prejuízos econômicos e falta de reciprocidade de outras nações.
A reentrada ocorreu em 2021, com Joe Biden, que recolocou o tema climático no centro da política externa americana. Porém, ao reassumir a Casa Branca em 2025, Trump determinou novamente a saída dos EUA, priorizando a expansão da produção de combustíveis fósseis.
Embora o desligamento só entre em vigor em 2026, o impacto diplomático foi imediato. A ausência americana reduz a capacidade de financiamento de políticas ambientais e enfraquece a liderança global nas negociações multilaterais.
Ainda assim, o secretário executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, minimizou o efeito dominó: “Um país pode recuar — mas outros já estão dando passos à frente para ocupar o seu lugar e aproveitar a oportunidade.”
Quais são os efeitos globais?
A decisão dos EUA reacendeu o debate sobre a divisão de responsabilidades entre nações desenvolvidas e emergentes. A maior economia do mundo, também um dos maiores emissores históricos de carbono, responde por parcela crucial dos fundos climáticos internacionais.
Sem essa contribuição, países em desenvolvimento correm o risco de atrasar seus programas de transição energética.
Por outro lado, a saída americana abriu espaço para novos protagonistas. A União Europeia reforçou seu compromisso com a neutralidade de carbono até 2050, e a China tem buscado ocupar o vácuo de liderança global com investimentos em energia solar e mobilidade elétrica.
A copresidente do Grupo II do IPCC, Debra Roberts, ressalta que ainda há espaço para reagir:
“Reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa podem desacelerar o aquecimento global dentro de apenas duas décadas.” Para Roberts, o desafio não é técnico, mas político.
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O que a COP30 pode mudar?
A conferência de 2025, em Belém do Pará, deve ser o evento climático mais importante desde 2015. Além de marcar o décimo aniversário do Acordo de Paris, a COP30 realizará um novo Balanço Global, medindo o cumprimento das metas assumidas por cada país.
Sediar o encontro na Amazônia tem peso simbólico e estratégico para o Brasil, que pretende liderar uma coalizão de países tropicais em defesa de um novo modelo de financiamento verde.
A expectativa é que o país use a conferência para cobrar compromissos mais justos das nações ricas e apresentar projetos que conciliem desenvolvimento e preservação.
Com os Estados Unidos temporariamente fora, o protagonismo de países como Brasil, Indonésia e Índia pode redefinir a geopolítica do clima — e testar a força de um acordo que sobrevive, há uma década, entre avanços e retrocessos.
Ainda há futuro para o Acordo de Paris?
Apesar das incertezas, o Acordo de Paris continua sendo a principal ferramenta internacional contra o aquecimento global. Relatórios recentes do IPCC indicam que cortes drásticos nas emissões até 2030 ainda podem conter os piores efeitos da crise.
O desafio, contudo, é mobilizar vontade política. O secretário-geral da ONU, António Guterres, tem repetido o alerta:
“As mudanças climáticas são um código vermelho para a humanidade. A janela para limitar o aquecimento global está se fechando rapidamente.”