Nesta semana a manchete do Brasil não foi sobre investimento, nem sobre reforma, mas sobre a contabilidade macabra que ainda assola o país: 121 mortos.
O número, revirado nos jornais, não é de um terremoto, nem de uma catástrofe natural. É o saldo de uma megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão. O tom, mais uma vez, é o de uma vitória militar contra o “inimigo”. Mas, se a guerra tem 121 mortos em um lado é preciso perguntar: quem está realmente perdendo?
O noticiário festeja a apreensão de fuzis e a prisão de chefes. Mas a crônica do Brasil sabe que essa “vitória” tem data de validade. É um curativo caríssimo aplicado sobre uma hemorragia social. A cada fuzil tirado de circulação, o Estado entrega, de bandeja, um novo batalhão de jovens sem perspectiva para o recrutamento do crime.
A ironia da tragédia é que a mesma sociedade que exige a segurança do número zero (zero mortes no asfalto) tolera a matança que gera o número cento e vinte e um (121) no morro.
O debate, como sempre, polariza: de um lado, a urgência da ordem e do combate ao crime; do outro, a indignação com as violações de direitos humanos. Mas a voz do meio, precisa perguntar: onde estava o Estado nos 100 anos que antecederam a operação?
A verdadeira tragédia do Alemão não começou com os tiros de fuzil, mas com a ausência crônica do poder público.
A violência, neste jogo, é o sintoma, não a doença. A doença é a falta de saneamento que envenena o corpo, a escola sucateada que mata a esperança, a ausência de luz e de asfalto que transforma o morro em terra de ninguém.
É o descaso que transforma dezenas de milhares de moradores em massa invisível, surgindo para o resto do país apenas como estatística de violência.
Os defensores da letalidade alegam que o crime organizado cresceu para além da competência estadual. E têm razão. Mas essa expansão do crime é o subproduto do enquadramento liberal que ensinou o Estado a ser pequeno e a se omitir do desenvolvimento regional e social.
A segurança pública não começa com o batalhão de choque, mas com o trator da prefeitura, o professor bem pago e a creche aberta.
Ela começa quando o Estado planeja a integração da favela à cidade, e não quando a trata como território inimigo a ser invadido de tempos em tempos.
As mães que hoje choram e protestam na Penha exigem, no fundo, que o investimento social tenha a mesma prioridade do investimento financeiro. Que o país se indigne com a falta de leito tanto quanto se indigna com a revisão da meta fiscal.
O custo da inação social é sempre pago em vidas negras e pobres. A cada megaoperação, o Brasil faz a contabilidade dos mortos, mas se recusa a fazer a contabilidade do abandono.
Portanto, enquanto o Estado não construir a rede de proteção social e econômica com a mesma urgência que ele usa para montar o cerco policial, a tragédia não terá fim. O Complexo do Alemão continuará sendo, ironicamente, o endereço mais explícito do fracasso de governança deste país.



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