O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma norma do governo federal que reconhece oficialmente a cultura gospel como uma manifestação cultural brasileira. Ele estabelece, no âmbito do Ministério da Cultura, que produções, práticas e expressões ligadas ao universo gospel passam a integrar formalmente o conjunto de manifestações culturais do país.
O que exatamente significa reconhecer a “cultura gospel” como manifestação cultural?
Reconhecer oficialmente a cultura gospel significa que o Estado brasileiro passa a considerar esse conjunto de expressões não apenas como manifestações religiosas, mas também como produções culturais relevantes para a identidade nacional contemporânea.
O decreto coloca sob esse guarda-chuva produções musicais, festivais, eventos culturais, projetos artísticos, atividades comunitárias e manifestações que orbitam o universo gospel, especialmente entre comunidades evangélicas.
Não se trata apenas do culto religioso ou da liturgia, mas de um ecossistema cultural que envolve música, literatura, audiovisual, economia criativa, estética própria, circuitos de eventos e redes de produção cultural.
A cultura gospel movimenta milhares de artistas, produtores, técnicos de som, comunicadores e trabalhadores da cultura em geral. Ela gera empregos, organiza mercados, forma públicos e constrói pertencimento social para milhões de brasileiros.
O decreto, portanto, não “cria” a cultura gospel. Ele institucionaliza algo que já existe há décadas, mas que historicamente não ocupava espaço formal nas políticas culturais do país.
Assim como o Brasil reconhece como manifestações culturais relevantes expressões afro-brasileiras, indígenas, populares e católicas, passa agora a considerar também a cultura gospel dentro da sua diversidade cultural.

O decreto interfere na religião ou muda o Estado laico?
O decreto atua no campo cultural, não no campo religioso. Dessa forma, ele não altera regras de liberdade de culto, não concede privilégios religiosos, não define doutrina, não determina prática de fé e não transforma o Estado em entidade confessional.
O Brasil continua sendo um Estado laico, conforme determina a Constituição Federal. No entanto, vale destacar que a política cultural brasileira sempre reconheceu que manifestações com origem religiosa podem se tornar, com o tempo, manifestações culturais amplas.
O Carnaval, por exemplo, tem origem católica, mas é parte fundamental da cultura nacional. Festas juninas, congadas, maracatus, procissões, capoeira e diversas tradições afro-brasileiras também dialogam com espiritualidade e, nem por isso, ferem a laicidade. O mesmo raciocínio vale agora para a cultura gospel.
Quando o Estado reconhece uma manifestação cultural com base na sua relevância social, econômica e simbólica, ele atua dentro do campo constitucional da valorização da cultura nacional.
O decreto reafirma que o Brasil é diverso e que produções culturais ligadas ao universo evangélico também compõem a identidade do país. Não há imposição religiosa; há reconhecimento cultural.
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Na prática, o que muda com o decreto?
O decreto não garante automaticamente recursos, verbas específicas ou benefícios obrigatórios. Ele cria condição institucional. Isso significa que a cultura gospel passa a ter um enquadramento claro dentro das políticas culturais brasileiras, podendo:
- participar com mais segurança jurídica de editais culturais;
- integrar programas federais de cultura, quando houver compatibilidade;
- ser objeto de ações de registro, preservação e memória;
- fortalecer festivais, circuitos culturais e projetos artísticos ligados ao segmento;
- ter maior legitimidade em conselhos e instâncias de decisão cultural;
- facilitar cooperação entre União, estados e municípios no tratamento do tema.
Ou seja, o decreto abre portas. Ele cria base formal para que iniciativas do segmento negociem apoio dentro das mesmas regras existentes para outras expressões culturais, sem tratamento inferior e sem privilégios exclusivos.
Além do mais, ao reconhecer oficialmente a cultura gospel, o Estado envia uma mensagem de legitimidade para trabalhadores da cultura vinculados a esse universo.
Produtores, artistas, músicos, técnicos e agentes culturais ganham maior respaldo para apresentar projetos e defender que suas iniciativas também representam a cultura brasileira.
Por que o governo decidiu reconhecer a cultura gospel agora?
O movimento tem duas dimensões. No campo cultural, ele responde a uma realidade inegável: a cultura gospel deixou de ser fenômeno restrito a templos e se tornou parte relevante da vida cultural brasileira.
A música gospel é um dos gêneros mais consumidos do país, festivais reúnem multidões, produções audiovisuais alcançam grandes audiências, e esse universo influencia a linguagem, comportamento e identidade de milhões de pessoas. Ignorar isso seria ignorar uma parte expressiva da sociedade.
No campo institucional, o decreto também funciona como ajuste histórico. Ao longo dos anos, políticas culturais frequentemente contemplaram manifestações de diversos segmentos, mas o universo gospel nem sempre encontrava reconhecimento formal.
O decreto corrige essa lacuna e insere oficialmente a cultura gospel no mapa institucional da cultura brasileira, e consequentemente, comunica respeito e disposição de diálogo com um grupo numeroso e socialmente importante.
Esse reconhecimento não transforma política em religião, mas reconhece que parte significativa da população brasileira constrói sua vida cultural dentro desse universo e merece ser incluída quando se fala de cultura nacional.
O que o decreto representa para o Brasil?
O decreto da cultura gospel representa um passo institucional na ampliação do entendimento de cultura no Brasil.
Ele afirma que a diversidade cultural brasileira inclui também expressões ligadas ao universo evangélico, legitima formalmente produções que já existem, abre possibilidades de participação mais clara em políticas culturais e, ao mesmo tempo, respeita o princípio constitucional do Estado laico.
É um ato cultural, jurídico e simbólico que amplia o reconhecimento do que é cultura no país, reorganiza o diálogo do Estado com um segmento importante da sociedade e contribui para um entendimento mais amplo da pluralidade que compõe o Brasil contemporâneo.











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