Buenos Aires (Argentina) — O governo de Javier Milei enviou nesta quinta-feira (11) ao Senado um projeto de reforma que altera pilares essenciais da legislação trabalhista, flexibilizando jornadas, reduzindo indenizações e restringindo a ação sindical. A Casa Rosada busca aprová-lo ainda em dezembro, em meio a temores de que a medida desmonte direitos básicos e acelere a precarização em um país já pressionado pelo fechamento de empresas e pela corrosão das condições de vida.
O texto do governo será analisado em duas comissões, entre elas a de Trabalho, que o oficialismo tenta entregar à ex-ministra de Segurança Patricia Bullrich.
O objetivo declarado é acelerar o processo e evitar longas discussões públicas, numa estratégia que aprofunda a sensação de atropelo institucional e reduz a margem de negociação com sindicatos e trabalhadores.
Entre os pontos mais polêmicos está a flexibilização da jornada, permitindo turnos de até 12 horas por meio de bancos de horas e regimes especiais. O esquema transfere ao trabalhador o custo da adaptação, dissolvendo o conceito de hora extra e naturalizando a intensificação do trabalho em nome de uma suposta eficiência que, na prática, responde prioritariamente ao interesse empresarial.
Outro eixo central é o aumento do poder patronal. A proposta autoriza o empregador a modificar unilateralmente condições de trabalho, desde que classificadas como “não irrazoáveis”.
Com isso, elimina-se o direito do trabalhador de exigir a reversão de medidas ilegais, restringindo sua alternativa a aceitar a imposição ou considerar-se demitido sem causa. Tal mecanismo desloca o risco da relação de trabalho inteiramente para o lado mais frágil, reforçando a assimetria que a legislação historicamente buscou mitigar.
As férias também entram no pacote de retrocessos. O projeto entrega ao empregador a decisão sobre o início do período de descanso e permite fracionamentos unilaterais.
A previsibilidade — essencial para organização familiar e bem-estar — é substituída por um regime em que o tempo livre do trabalhador depende integralmente da conveniência empresarial, reduzindo a autonomia individual sobre um direito construído ao longo de décadas.

A reforma mexe ainda no núcleo da proteção ao emprego: a indenização. Ao excluir parcelas como 13º salário, férias e prêmios da base de cálculo, o governo reduz significativamente o valor pago ao trabalhador demitido.
A atualização de dívidas trabalhistas limitada ao índice oficial somado a juros de 3% ao ano enfraquece a compensação em processos longos, funcionando mais como um prêmio à demora judicial do que como garantia de justiça.
Para as pequenas e médias empresas, o parcelamento em até 12 vezes dilui ainda mais a indenização, transformando um direito em uma obrigação que se desmancha no tempo.
Ao ampliar pagamentos que ficam fora do salário, a reforma esvazia a renda real do trabalhador e enfraquece sua proteção previdenciária.
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Benefícios como alimentação e reembolsos deixam de contar para aposentadoria, 13º e indenizações, empurrando para o indivíduo o custo de uma proteção social que, em sociedades mais igualitárias, é assumida de forma compartilhada.
As restrições à ação sindical fecham o círculo da reforma. Greves com bloqueios passam a ser tratadas como faltas gravíssimas, com corte imediato de salário; assembleias dentro dos locais de trabalho dependerão de autorização patronal e deixarão de ser remuneradas; e o fim da ultraatividade retira a última camada de proteção coletiva, deixando trabalhadores descobertos sempre que um acordo expira sem substituto.
Tudo converge para o enfraquecimento deliberado da capacidade de organização coletiva — justamente o instrumento que, ao longo da história argentina, atuou como contrapeso ao poder econômico.
O ex-ministro do Trabalho Claudio Moroni classificou o texto como uma “má lei”, argumentando que não enfrenta a informalidade e reflete pautas antigas de setores empresariais, somadas a uma hostilidade aberta ao modelo sindical. Seu diagnóstico aponta que a reforma responde mais a um alinhamento ideológico do governo do que a um projeto sustentável de desenvolvimento.
A ofensiva ocorre em um cenário de retração produtiva: desde o início do governo Milei, 19.164 empresas fecharam as portas — cerca de 30 por dia. Nesse contexto, a reforma adiciona instabilidade a um mercado já exausto e amplia o risco de empurrar ainda mais trabalhadores para a informalidade.
Ao enfraquecer proteções essenciais e deslocar benefícios para o capital, o projeto consolida uma estrutura de precarização que aprofunda desigualdades e reduz o horizonte de direitos em um momento em que a Argentina enfrenta sua crise social mais profunda em décadas.
Se o governo vencer a batalha legislativa, a aprovação deve marcar um divisor de águas: não apenas uma mudança normativa, mas um reposicionamento do próprio Estado — que, em vez de amortecer os choques do mercado, passa a amplificá-los sobre aqueles que menos podem absorver seus custos.











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