São Paulo (SP) — Milhares de pessoas ocuparam ruas e avenidas de diversas capitais neste domingo (7) em uma mobilização nacional contra o feminicídio, motivada pela sequência recente de crimes que ampliou a pressão por políticas públicas, punições mais rígidas e acolhimento institucional. Organizados por movimentos feministas e coletivos populares, os atos levaram mulheres e homens às ruas de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e outras cidades, num país que registrou mais de 1.180 feminicídios apenas em 2025.
Na Avenida Paulista, o ato trouxe discussões que ultrapassam os casos mais recentes. A professora Jessica Torres, de 39 anos, afirmou que a misoginia fere o direito da mulher de existir e que o enfrentamento começa ainda na infância.
Ela defendeu que o tema seja trabalhado desde cedo porque as crianças repetem comportamentos e preconceitos observados em casa.
A pedagoga Fernanda Prince, que atua com alunos de 6 a 8 anos, reforçou que a divisão entre “brinquedo de menina” e “brinquedo de menino”, além de cores e papéis impostos, formam padrões que contribuem para desigualdades mais profundas.
Ambas participaram do protesto por acreditarem que a naturalização desses comportamentos ajuda a sustentar a violência de gênero no futuro.
A discussão na capital paulista também abordou a presença do Estado nas periferias. Maria das Graças Xavier, de 58 anos, articuladora de um movimento de moradia, disse que a mobilização nacional foi organizada em menos de dez dias e que mulheres das quebradas convivem diariamente com agressões e mortes que poderiam ser evitadas.
Para ela, é urgente que políticas públicas cheguem aos territórios onde a violência é mais recorrente. A comerciante Lilian Lupino, de 47 anos, levou cartazes pedindo leis severas e afirmou que “muita mulher morre porque os homens se sentem protegidos pela falta de punição”.
Em Brasília, o ato Levante Mulheres Vivas contou com a presença de seis ministras, do ministro do Desenvolvimento Social Wellington Dias e da primeira-dama Janja Lula da Silva.

A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, defendeu maior representação feminina na política e pediu que a sociedade não legitime candidatos que agridem ou ofendem mulheres.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, classificou o enfrentamento à violência como uma “luta civilizatória” que precisa da participação dos homens.
Já a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, lembrou os assassinatos da irmã, Marielle Franco, e da líder quilombola Mãe Bernadete, afirmando que a presença das mulheres nas ruas é uma recusa em se curvar ao medo.
Mesmo se recuperando de cirurgia, a ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara participou em cadeira de rodas e destacou que a violência contra mulheres indígenas permanece invisibilizada, muitas vezes sem registro oficial.
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Luciana Santos, ministra da Ciência e Tecnologia, lembrou que a desigualdade de gênero tem raízes seculares e defendeu creches, igualdade salarial e condições para que mulheres avancem na carreira científica.
Janja, por sua vez, afirmou ser inaceitável que autores de feminicídio retornem às ruas em poucos dias e pediu “penas mais duras” para evitar novas mortes.
No Rio de Janeiro, o ato em Copacabana deu centralidade às sobreviventes. A agente de educação infantil Evelyn Lucy Alves da Luz, de 44 anos, relatou ter sido baleada pelo ex-marido em 2017 diante da filha de seis anos.
Ela afirmou que jamais recebeu apoio psicológico, financeiro ou institucional e descobriu por conta própria que o agressor está livre desde 2024. Evelyn disse estar na manifestação por todas as que se foram e pelas que querem ser livres.
A militante Vanderlea Aguiar, de 49 anos, integrante do Movimento Emancipa, contou que deixou uma relação violenta por instinto de sobrevivência e afirmou que apoiar outras mulheres é parte da resistência.
A psicóloga Adriana Herz Domingues, coordenadora do Coletivo Juntas, explicou que a onda de feminicídios foi determinante para a mobilização e destacou a necessidade de ampliar as Casas da Mulher Brasileira, serviços de acolhimento e políticas de autonomia econômica.
Ela defendeu debates nas escolas e no SUS sobre machismo e violência, já que muitas mulheres não reconhecem a situação em que vivem.
A professora aposentada Deise Coutinho, de 68 anos, levou girassóis para colocar ao lado de cruzes pretas que simbolizavam vítimas de feminicídio. Ela afirmou que o gesto representa a luta constante para “acabar com essa matança de mulheres”.
Os atos deste domingo deixaram uma mensagem comum: enfrentar o feminicídio exige Estado presente, políticas duradouras e ruptura com desigualdades estruturais que sustentam a violência.
Nas ruas, o país mostrou que não aceita mais a normalização dessas mortes — e que a cobrança por mudanças concretas chegou ao limite.











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