Nova York (EUA) — O governo norte-americano elevou o tom contra a Venezuela ao combinar, em menos de uma semana, um alerta para que todos os cidadãos dos Estados Unidos deixem o país “imediatamente” com a realização de um novo ataque letal em águas internacionais do Pacífico, que resultou na morte de quatro pessoas. As ações, conduzidas pelo Departamento de Estado e pelo Comando Sul sob orientação da Casa Branca, ampliam a tensão diplomática e militar no hemisfério, reacendendo preocupações sobre o uso político da doutrina antiterrorista e sobre a legitimidade das operações que Washington descreve como parte de sua “defesa nacional”.
O comunicado divulgado pelo Departamento de Estado na última quarta-feira (03) reforçou que norte-americanos não devem viajar à Venezuela nem permanecer no país, citando riscos de detenção arbitrária, violência, terrorismo e precariedade de infraestrutura.
A nota afirma ainda que a capacidade de assistência consular no país é inexistente desde o fechamento da embaixada, em 2019. O aviso, porém, omite o contexto da degradação diplomática causada pela própria política norte-americana, que nos últimos anos combinou sanções econômicas, pressões multilaterais e operações de vigilância no Caribe.
O alerta surge dias após o presidente Donald Trump afirmar que o espaço aéreo venezuelano deve ser considerado “totalmente fechado” — declaração que levou companhias aéreas de diversos países, como Iberia, TAP, Avianca, Latam Colombia e Gol, a suspenderem rotas, enquanto outras, como Satena e Boliviana de Aviación, seguem operando.
O gesto reforça o isolamento progressivo imposto por Washington a Caracas, ampliando incertezas para viajantes, empresas transnacionais e para a própria população venezuelana, que enfrenta restrições adicionais de circulação.
Em paralelo ao endurecimento diplomático, o Comando Sul confirmou na quinta-feira (03) a realização de um ataque “cinético letal” contra uma pequena embarcação no Pacífico, deixando quatro mortos.
A ação, ordenada pelo Secretário de Guerra Pete Hegseth, foi descrita como operação contra uma “organização terrorista designada”, embora o governo dos Estados Unidos não tenha revelado a localização exata, a identidade dos mortos nem a relação comprovada entre o barco e qualquer grupo armado.

Segundo nota do Pentágono, a embarcação estaria trafegando por uma rota associada ao narcotráfico e transportaria substâncias ilícitas. O ataque é o mais recente de uma série de incursões marítimas.
Desde setembro, os Estados Unidos destruíram 22 embarcações no Caribe e no Pacífico, resultando na morte de mais de 80 pessoas. Washington sustenta que todas as operações são legais sob o direito doméstico e internacional, tese contestada por governos latino-americanos e por especialistas vinculados à ONU, que classificam parte dessas ações como execuções extrajudiciais e violações da soberania regional.
No discurso oficial da administração Trump, as operações refletem uma estratégia de “defesa do hemisfério” contra redes criminosas transnacionais.
No entanto, o padrão de ações, a ausência de transparência e o uso reiterado de justificativas amplas — como “terrorismo” ou “interesses vitais dos EUA” — revelam uma política que reconfigura o papel do Comando Sul na região, deslocando o foco da cooperação para o da intervenção direta.
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Ao privilegiar respostas militares, a Casa Branca aprofunda uma lógica que historicamente fragiliza instituições civis no continente e reduz o espaço para soluções multilaterais de mediação.
A ampliação da presença militar norte-americana também marca um retrocesso na busca por estabilidade regional. Ao longo das últimas décadas, agendas de integração latino-americana defenderam mecanismos de coordenação entre Estados, priorizando investimentos sociais, cooperação econômica e fortalecimento de sistemas democráticos.
A escalada atual, ao contrário, restabelece dinâmicas de poder assimétrico que dificultam iniciativas de desenvolvimento compartilhado e ampliam tensões nas fronteiras marítimas e aéreas. A combinação entre alerta diplomático e ações letais projeta um cenário de incerteza para os próximos meses.
Com a Venezuela denunciando crimes de guerra e governos aliados, como Cuba e Nicarágua, reforçando críticas ao expansionismo militar dos Estados Unidos, a região volta a experimentar o risco de um conflito prolongado de baixa intensidade, impulsionado por disputas geopolíticas e pela pressão norte-americana sobre governos que resistem ao alinhamento estratégico de Washington.
Enquanto a Casa Branca insiste na legitimidade de suas operações, cresce o debate sobre os limites dessa política e sobre seus efeitos para a segurança regional.











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