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Foto: José Cruz/Agência Brasil

Brasília (DF) — A explosão do crédito consignado do Auxílio Brasil em 2022 não foi acidental: ela coroou um desenho político e normativo construído no governo Bolsonaro para ampliar o alcance de bancos e financeiras sobre benefícios sociais. A engrenagem, que envolveu aliados no Congresso e decisões cruciais do Ministério da Cidadania, teve como executor final o então ministro Ronaldo Vieira Bento — que, após coordenar a regulamentação do consignado, assumiria cargos em empresas ligadas ao ecossistema do Banco Master, hoje um dos principais atores desse mercado.

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A arquitetura começou no Congresso, com a atuação de João Roma enquanto relator da MP 1076/21. No parecer, Roma incluiu dispositivo que permitiu que o benefício adicional criado pela medida integrasse de forma permanente a estrutura do Auxílio Brasil.

A mudança expandiu o valor considerado no cálculo para empréstimos consignados, abrindo espaço para operações maiores. Documentos da Agência Câmara mostram que essa alteração foi determinante para a flexibilização posterior das regras de crédito.

Em seguida, a MP 1106/22 ampliou substancialmente as margens consignáveis. Trabalhadores formais, aposentados, beneficiários do BPC e participantes de programas sociais passaram a poder comprometer até 40% ou 45% da renda em operações de crédito. 

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A ampliação das margens consignáveis criou um ambiente altamente favorável para que bancos e financeiras mirassem, com mais intensidade, públicos de baixa renda. A mudança abriu espaço para operações maiores em um segmento historicamente mais exposto ao endividamento e com menor capacidade de contestar cobranças abusivas.

Foi sobre esse terreno legislativo que o deputado Hugo Motta, hoje presidente da Câmara, atuou para tornar permanente o Auxílio Brasil com piso de R$ 400.

A medida reforçou a narrativa governista de estabilidade de renda em ano eleitoral, ao mesmo tempo em que elevou o valor disponível como lastro para empréstimos consignados.

Ainda que a mudança também se apoiasse na Emenda Constitucional 114/2021, a articulação política de Motta deu sustentação à expansão do programa e, indiretamente, ampliou o potencial de endividamento de milhões de famílias.

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Ronaldo Vieira Bento e o ex-ministro João Roma durante o governo Bolsonaro – Foto: José Cruz/Agência Brasil

A etapa administrativa se consolidou quando João Roma deixou o comando do Ministério da Cidadania para disputar o governo da Bahia e anunciou publicamente que Ronaldo Vieira Bento seria seu substituto. Bento assumiu a pasta em março de 2022 e herdou justamente a fase decisiva do processo: regulamentar o crédito consignado vinculado ao Auxílio Brasil.

Sob sua condução, portarias e normativos internos criaram os mecanismos práticos que permitiram que bancos ofertassem o produto em escala nacional, alcançando um público até então pouco inserido no sistema financeiro formal.

A implementação coincidiu com alertas do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, que pediu a suspensão do consignado por entender que ele poderia gerar superendividamento e ser usado eleitoralmente.

O temor se confirmou meses depois. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União, concluída já na gestão Lula, mostrou que 93% dos contratos foram firmados em outubro de 2022, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial.

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O relatório identificou cerca de R$ 8 milhões em potenciais descontos irregulares e apontou mais de 56 mil famílias afetadas por cobranças indevidas ou acima da margem permitida.

Embora a CGU não tenha atribuído responsabilidade individual a Roma, Motta ou Bento, o órgão registrou que a sequência de decisões — ampliação legislativa, aumento de margens e regulamentação executiva — criou o ambiente ideal para que o consignado se expandisse sobre um público altamente sensível a práticas de crédito.

A conexão posterior entre essas decisões e o ecossistema Master surge quando Bento deixa o ministério em janeiro de 2023, cumpre o período de quarentena remunerada e, meses depois, filia-se ao Republicanos — partido de Motta e do governador Tarcísio de Freitas.

A partir de 2024, registros da Junta Comercial passam a listá-lo como administrador da Mettacard Administradora de Cartões, empresa que opera produtos consignáveis e cujo sistema tecnológico é licenciado ao Banco Master, conforme documentação disponibilizada pela própria companhia.

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No ano seguinte, Bento também ingressou na diretoria da NK 031 Empreendimentos e Participações e do Banco Pleno S.A., instituição surgida da reestruturação do antigo Voiter dentro do grupo Master.

O Banco Pleno, posteriormente colocado em liquidação extrajudicial no contexto da Operação Compliance Zero, tornou-se um dos elos mais visíveis da crise que atingiu estruturas associadas ao conglomerado.

A trajetória do ex-ministro evidencia uma convergência rara entre formulação pública e atuação privada: quem ajudou a viabilizar, regulamentar e operacionalizar o consignado sobre benefícios sociais desembarcou, pouco tempo depois, em empresas que operam justamente nesse mercado.

Esse deslocamento reabre o debate sobre os limites entre política pública e interesses financeiros — e coloca o ecossistema Master no centro de uma engrenagem cuja origem remonta às decisões do governo Bolsonaro.

Redação IA Dinheiro

Redação IA Dinheiro

Equipe editorial dedicada a explicar decisões do Estado, traduzir políticas públicas e orientar cidadãos sobre como acessar seus direitos e benefícios sociais.

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