Favelas

São Paulo (Brasil) — Entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, imagens termais do satélite Landsat 8 analisadas pelo Centro de Estudos da Favela (CEFAVELA) mostraram que favelas paulistanas alcançaram temperaturas de superfície superiores a 45 °C, enquanto bairros vizinhos como o Morumbi ficaram perto dos 30 °C, evidenciando que o calor extremo segue a lógica da desigualdade urbana e não apenas as variações climáticas do verão.

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O estudo examinou 19 imagens de alta resolução e registrou valores críticos em territórios densamente ocupados, como Paraisópolis e Heliópolis, que atingiram mais de 44 °C nos dias mais quentes. Nas regiões onde a vegetação é escassa e o adensamento elimina áreas de sombreamento, a retenção de calor transforma telhados, lajes e ruas em superfícies continuamente aquecidas.

Segundo o CEFAVELA, os contrastes aparecem inclusive entre favelas de diferentes regiões: enquanto áreas compactadas com construção sobreposta chegam a temperaturas extremas, territórios com maior presença de vegetação no entorno apresentam valores significativamente menores.

Os moradores relatam que, nos dias de maior insolação, o ambiente interno das casas fica praticamente insuportável, com impacto direto em saúde, descanso e rotinas de trabalho.

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A diferença térmica entre bairros vizinhos com infraestrutura formal e territórios de favela revela que o calor funciona como marcador social. Onde houve investimento histórico em arborização, áreas permeáveis e planejamento urbano, o verão é amortecido.

Onde a cidade foi construída sem garantir natureza, sombra ou ventilação adequada, o calor se torna parte da paisagem cotidiana. Não é o clima que cria o abismo térmico: é a política urbana acumulada.

O contraste mostra que a vulnerabilidade não é apenas econômica, mas ambiental. As áreas periféricas carregam o peso de um urbanismo que tratou a natureza como privilégio localizado.

A ausência de corredores verdes, a pavimentação contínua e o adensamento extremo intensificam o calor e reduzem a capacidade do território de dissipar temperatura. As favelas tornam-se “câmaras térmicas” produzidas por decisões históricas de ocupação.

Os pesquisadores defendem que o calor extremo deve integrar os indicadores de inadequação habitacional, hoje centrados em infraestrutura e materiais.

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A falta de atenção ao conforto térmico faz com que programas de moradia repitam soluções que não aliviam o verão — e, em muitos casos, o agravam. Dessa forma, incorporar o clima à política urbana significa reconhecer que a exclusão também opera na temperatura das casas e na forma como cada território experimenta o verão.

A Organização Mundial da Saúde alerta que superfícies acima de 40 °C ampliam riscos de doenças cardiovasculares, respiratórias e episódios de desidratação, especialmente entre crianças, idosos e pessoas com enfermidades crônicas. Nas favelas, a ventilação limitada e o uso constante de ventiladores elevam o consumo de energia, pressionando orçamentos familiares já no limite.

Soluções baseadas na natureza — como praças sombreadas, telhados verdes, corredores ecológicos e materiais que dissipam calor — são apontadas como caminhos para reduzir a desigualdade térmica.

Para o CEFAVELA, enfrentar o problema significa reconhecer que a cidade distribui calor conforme sua própria hierarquia espacial e que combater essa lógica é fundamental para garantir condições reais de habitabilidade numa metrópole em que o avanço das ondas de calor só aprofunda fronteiras sociais já conhecidas — e historicamente ignoradas pelo poder público.

Redação IA Dinheiro

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A Redação IA Dinheiro produz reportagens e conteúdos com foco em democracia, desigualdade e políticas públicas.

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