Brasília (DF) — O ex-procurador Deltan Dallagnol divulgou nesta segunda-feira (24) um vídeo nas redes sociais para tentar justificar a violação da tornozeleira eletrônica por Jair Bolsonaro, preso preventivamente desde sábado (22), alegando que o ex-presidente apenas verificava se havia uma suposta escuta no equipamento — hipótese baseada em um vídeo viral sem qualquer comprovação e que contraria os indícios usados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para estabelecer risco concreto de fuga.
A nova manifestação de Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Operação Lava Jato e atual figura pública da direita institucional, buscou suavizar o ato que pesou na decisão do Supremo Tribunal Federal de decretar a prisão preventiva de Jair Bolsonaro.
No vídeo, ele afirma acreditar que o ex-presidente não pretendia romper o monitoramento, mas conferir se havia uma escuta ambiental oculta na tornozeleira — ideia retirada de um conteúdo viral que circula há meses entre grupos bolsonaristas.
Dallagnol cita um vídeo do influenciador Jeffrey Chiquini, que especula sobre a existência de dispositivos clandestinos no equipamento. O ex-procurador argumenta que Bolsonaro estaria apenas “investigando” uma possível espionagem em sua própria casa.
Sem apresentar elementos técnicos, ele usa a popularidade do vídeo — “281 mil curtidas” — como forma de legitimar a hipótese. A narrativa ecoa um padrão de comunicação em que teorias amplamente difundidas em nichos digitais ganham aparência de versão plausível, mesmo sem sustentação factual.
No vídeo, Dallagnol dramatiza a situação ao afirmar que o ex-presidente poderia temer ser escutado “nos momentos mais íntimos”. A construção retórica coloca Bolsonaro na posição de vítima de uma suposta perseguição, desviando o foco dos fatos registrados pela Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal e da própria confissão do ex-mandatário, que admitiu ter violado o equipamento.
Para Dallagnol, se Bolsonaro quisesse fugir, teria rompido a tornozeleira “como vários presos do 8 de janeiro fizeram”, argumento que ignora o caráter deliberado da violação parcial, citada pela investigação como indicativo de teste ou preparo para evasão.
A tentativa de moldar uma narrativa alternativa acontece num momento de intensificação do cerco judicial. A Primeira Turma do Supremo confirmou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que decretou a prisão preventiva com base em novos elementos apresentados pela Polícia Federal.

Entre eles, estão a violação da tornozeleira e a convocação de uma “vigília” feita pelo senador Flávio Bolsonaro, que mobilizou apoiadores nas proximidades da residência do pai. Para os investigadores, a combinação desses fatores reforça o risco de fuga e a ameaça à ordem pública.
O ministro Flávio Dino destacou que já há histórico de planos de evasão atribuídos ao ex-presidente, o que agrava a interpretação do episódio.
A confissão de descumprimento do monitoramento eletrônico, segundo Dino, reforça a percepção de tentativa de burlar o controle judicial. Moraes enfatizou que Bolsonaro já havia descumprido medidas cautelares anteriores e que o comportamento da última sexta-feira (21) ultrapassou qualquer margem de dúvida, sendo “doloso e consciente”.
A defesa promovida por Dallagnol, portanto, se insere no esforço contínuo de setores da direita em deslocar a narrativa sobre a crise judicial que cerca Bolsonaro.
Ao recorrer a um vídeo viral e a hipóteses conspiratórias, o ex-procurador reforça a estratégia de produzir versões alternativas que amenizem a gravidade dos fatos ou criem cortinas de fumaça.
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A lógica se alinha à dinâmica política que marcou o ciclo bolsonarista: transformar investigações oficiais em suspeitas contra o próprio Estado e reposicionar o ex-presidente como alvo de perseguição.
Esse movimento evidencia uma disputa mais ampla sobre como parte da sociedade interpreta a atuação das instituições. A postura de Dallagnol não busca dialogar com as evidências apresentadas pela Polícia Federal ou com a decisão unânime da Primeira Turma do STF.
Em vez disso, reativa um discurso que questiona a legitimidade das autoridades responsáveis por frear abusos de poder e garantir a ordem democrática. Ao fazê-lo, contribui para um ambiente em que fatos comprovados concorrem com versões especulativas, favorecendo a erosão da confiança institucional.
O episódio também revela a diferença entre a retórica política e a materialidade das decisões judiciais. A prisão preventiva de Bolsonaro não deriva de um único ato ou da interpretação isolada de um vídeo, mas de um conjunto de descumprimentos reiterados, da proximidade do trânsito em julgado de sua condenação e da avaliação concreta de risco feita por órgãos técnicos.
Ao centrar sua argumentação num conteúdo viral, Dallagnol ignora esse contexto, adotando uma narrativa que desloca responsabilidades.
O contraste entre as versões é evidente. De um lado, o STF, a PF e os documentos oficiais apontam para uma violação consciente que reforça o risco de fuga. De outro, a defesa improvisada de Dallagnol tenta reposicionar a violação como gesto de autoproteção, ainda que sem base factual.
A disputa narrativa, mais do que salvar a imagem de Bolsonaro, revela como setores da oposição radical continuam testando os limites do debate público para preservar uma liderança política em declínio e confrontada por suas próprias escolhas.











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