Joanesburgo (África do Sul) — A cúpula do G20 de 2025 terminou neste domingo (23) com um pacote de compromissos que recoloca o Sul Global no centro das negociações multilaterais e pressiona as grandes economias a reverem seu papel na transição energética e nas regras da nova economia digital. Lideranças de África, América Latina e Ásia articularam uma agenda que combina ação climática, soberania industrial e governança da inteligência artificial, deixando claro que não pretendem repetir o papel de fornecedores de matéria-prima em um mundo que reorganiza suas cadeias produtivas.
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, destacou que a atual presidência ampliou a linha adotada por Indonésia, Índia e Brasil, que nos últimos três anos transformaram o G20 em arena de reivindicação por desenvolvimento equilibrado.
A declaração final, segundo ele, reflete continuidade e amadurecimento dessa pauta: reconhecimento da desigualdade global, necessidade de financiamento climático robusto e defesa da participação plena das economias emergentes nas decisões estratégicas.
Na sessão encerramento, intitulada “Um Futuro Justo e Equitativo para Todos”, o grupo formalizou diretrizes sobre minerais críticos, trabalho decente e governança da IA — três temas centrais para o próximo ciclo da economia global.
A combinação não é casual: envolve, ao mesmo tempo, disputa geopolítica, modelos de industrialização e capacidade dos países pobres de não ficarem para trás no salto tecnológico em curso.
Para o Brasil, a gestão soberana dos minerais críticos — como lítio, níquel e terras raras — deve ir além da exportação bruta. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a criação de instrumentos internacionais que garantam valor agregado, cadeias industriais locais e direitos trabalhistas preservados diante da digitalização acelerada.
A posição brasileira ecoa reivindicações antigas de países que, historicamente, foram empurrados para a periferia da industrialização.
A Índia, por sua vez, reforçou a ideia de uma IA centrada em pessoas, com acesso universal a computação de alto desempenho e formação de habilidades digitais em larga escala.

Narendra Modi reiterou a necessidade de um pacto global de IA baseado em segurança, transparência e mecanismos multilaterais, sinalizando que o país quer protagonismo num setor dominado hoje por EUA e China.
A China apresentou uma visão igualmente pragmática, conectando clima, energia e segurança alimentar como eixos inseparáveis.
O premiê Li Qiang defendeu a ampliação da cooperação em energia limpa, a implementação plena dos acordos de biodiversidade e maior apoio aos países afetados por crises climáticas e alimentares.
Também indicou que Pequim pretende consolidar sua liderança na governança responsável da IA e na cadeia global dos minerais críticos, mantendo aproximação com países africanos.
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A Indonésia reforçou a centralidade dos minerais críticos e da segurança tecnológica, destacando que sua economia precisa de instrumentos multilaterais para competir num ambiente global que favorece gigantes econômicos. Como lembrou a agência ANTARA, Jacarta vê na governança da IA um caminho para evitar novos ciclos de dependência.
O vice-porta-voz do governo sul-africano, William Baloyi, resumiu a leitura local: a África do Sul atuou como porta-voz de todo o continente e de grande parte do mundo em desenvolvimento. Sustentabilidade, acesso justo ao desenvolvimento e financiamento climático estiveram no centro da agenda — e não como apelos laterais, mas como prioridades estruturais.
A declaração final do G20 reafirmou compromissos com apoio a países de baixa e média renda, aumento do financiamento climático, fortalecimento dos bancos multilaterais, cooperação transparente em minerais críticos e padrões internacionais para uma IA confiável.
Na prática, os compromissos refletem uma reorganização silenciosa: mais países emergentes passam a exigir participação plena nas regras do sistema econômico internacional, e menos aceitam depender de fluxos financeiros ou tecnológicos ditados de cima para baixo.
Apesar do tom cooperativo, o encontro expôs tensões latentes. Países ricos resistem a ampliar significativamente o financiamento climático e a ceder espaço decisório em organismos multilaterais.
Já as economias em desenvolvimento pressionam para que a transição energética não reproduza desigualdades históricas. A disputa não está resolvida — mas o peso político do Sul Global nunca foi tão grande.
Ao final, a cúpula de Joanesburgo reforça que o futuro da economia mundial passa por escolhas que definirão quem se beneficia da nova ordem tecnológica e quem corre o risco de ser empurrado novamente à margem.
Para os países emergentes, o recado é que não há desenvolvimento sustentável possível sem justiça climática, soberania industrial e participação equitativa nas decisões globais.











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