Bolsonaro

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes e cumprida pela Polícia Federal neste sábado (22), não é apenas mais um capítulo da crise institucional que envolve o ex-presidente. Ela marca o esgotamento de um ciclo político, o colapso de uma estratégia construída sobre confronto permanente e a perda acelerada da capacidade de mobilização que sustentou o bolsonarismo desde 2018.

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A custódia preventiva, que muitos enxergam como um ato pontual, é, na verdade, o ponto visível de um movimento mais profundo: o encerramento da era da instabilidade calculada.

Nos últimos anos, Bolsonaro se apoiou na tática de tensionar os limites da institucionalidade, desobedecendo decisões, testando fronteiras e mobilizando apoiadores para pressionar o Supremo Tribunal Federal.

A estratégia funcionou enquanto ele controlava a máquina pública e mantinha capital político suficiente para gerar ruído. O cenário atual, no entanto, é outro.

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Sem mandato, condenado a mais de 27 anos na ação penal da trama golpista e prestes a ter a pena executada, Bolsonaro deixou de ser ator de alto impacto e se tornou réu de risco elevado — especialmente quando tenta replicar táticas de mobilização que já não produzem o efeito desejado.

A convocação da vigília por Flávio Bolsonaro, que precipitou a decisão de Moraes, ilustra essa mudança de fase. Em outros momentos, acenos simbólicos como esse produziam multidões, repercussão nacional e tensão real entre forças de segurança e grupos bolsonaristas.

Desta vez, serviram como prova material de que o entorno do ex-presidente ainda busca criar zonas de instabilidade — mas, paradoxalmente, revelaram também a diminuição drástica de sua capacidade de articulação. A reação foi mais rápida e mais dura, porque o STF não enxerga mais nessas movimentações força política, e sim risco processual.

A prisão preventiva não surge, portanto, de um ato isolado, mas da percepção de que Bolsonaro já não opera dentro de mecanismos previsíveis. Seu histórico recente de violações de medidas, acessos indevidos, tentativas de contato com autoridades estrangeiras e uso político de momentos de fragilidade institucional compôs um cenário em que a confiança se tornou insustentável.

O tribunal entendeu que a permanência em prisão domiciliar, às vésperas da execução da pena, abria margem para que o ex-presidente transformasse sua própria condição jurídica em palanque — exatamente como fez em momentos-chave desde 2021.

Ao mesmo tempo, a prisão preventiva expõe uma inflexão no próprio bolsonarismo. O movimento, que nasceu como frente político-eleitoral e depois se reorganizou como cultura digital e movimento radical, enfrenta agora sua primeira crise com o líder efetivamente contido.

O bolsonarismo sem Bolsonaro tem sido uma fórmula difícil de sustentar: falta liderança, falta estrutura e falta narrativa unificada. A prisão tende a acelerar esse dilema, porque impede o ex-presidente de comandar articulações diretas e reduz drasticamente sua força simbólica.

O ambiente institucional também mudou. O STF opera, hoje, num grau de assertividade que não existia no auge da crise democrática de 2022. A corte incorporou a experiência acumulada de ameaças e tentativas de ruptura, reconheceu a necessidade de agir com rapidez em momentos críticos e passou a adotar critérios mais estritos para garantir a eficácia de suas decisões.

A prisão preventiva é parte desse movimento — não apenas uma reação ao ato da véspera, mas a culminação de um entendimento mais amplo sobre como lidar com atores que insistem em transformar o processo judicial em palco de disputa política.

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Há, claro, implicações profundas para a política brasileira. A prisão preventiva retira do tabuleiro a principal figura da extrema direita organizada, altera o eixo de mobilização de seus apoiadores e abre espaço para disputas internas no campo conservador.

Também reforça a mensagem institucional de que tentativas de obstruir ou tensionar o Estado Democrático de Direito não serão tratadas como divergências políticas, mas como ameaça concreta com consequências jurídicas.

Se a execução da pena se confirmar nas próximas semanas — como aponta o ritmo processual — o país entrará numa nova fase da relação entre bolsonarismo e instituições, marcada por menos improviso, menos impacto e maior previsibilidade institucional.

A prisão preventiva não encerra esse ciclo, mas evidencia que ele chegou ao ponto em que a lógica do confronto perde espaço para a lógica da responsabilização.

O que se inicia agora é menos espetacular, porém mais definitivo: a transformação de um líder que ocupou a presidência da República e testou repetidamente os limites da democracia em réu preso, controlado por mecanismos institucionais que ele próprio tentou enfraquecer.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e editor-chefe da IA Dinheiro. Produz reportagens e conteúdos com foco em economia, democracia, desigualdade e políticas públicas.

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