Brasília (DF) — Em uma votação marcada por pressão de bancadas de segurança e críticas da base governista, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (18), por 370 a 110 votos, o texto-base do projeto de lei antifacção (PL 5582/2025), após o relator Guilherme Derrite (PP-SP) apresentar sucessivas versões que alteraram profundamente a proposta enviada pelo governo federal. O Executivo afirma que tentará reverter as mudanças no Senado para recuperar o desenho original da política de combate ao crime organizado.
A aprovação ocorreu após semanas de disputas internas e reconstruções do parecer, que chegou à sua quinta versão antes da votação. O texto endurece penas, cria novos enquadramentos criminais e altera o fluxo de confisco de bens, pontos que, segundo parlamentares governistas, distorcem a política pública estudada pelo Executivo ao longo de seis meses.
A votação dos destaques ainda poderá modificar algumas partes, mas a essência da proposta aprovada reflete um alinhamento da maioria da Câmara em favor de medidas punitivistas de largo alcance.
Para a base do governo, o substitutivo aprovado introduz fragilidades em pontos essenciais da política de enfrentamento às organizações criminosas.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou em plenário que o texto cria mecanismos que, na prática, podem retardar o confisco de bens e prejudicar investigações da Polícia Federal.
A crítica se concentra na introdução de uma ação civil pública que, segundo ela, abre margem para que o patrimônio de facções permaneça sob litígio por mais tempo, comprometendo a efetividade das operações.
Outro ponto contestado pelo governo é o destino dos recursos provenientes de apreensões. O parecer de Derrite retira parte da autonomia financeira da Polícia Federal ao destinar ao Fundo Nacional de Segurança Pública o que antes seria destinado exclusivamente à corporação.
Para parlamentares governistas, a mudança enfraquece a PF em um dos poucos instrumentos considerados eficazes para desarticular financeiramente facções e milícias.

O governo promete agora reverter as alterações no Senado. “Vamos modificar no Senado para recuperar o propósito original do governo de combate à facção criminosa”, disse o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), destacando que a proposta inicial foi fruto de estudos longos e articulações técnicas.
O gesto sinaliza que o Planalto considera o tema estruturante para sua política de segurança pública e não aceitará que o endurecimento legislativo se sobreponha a critérios de inteligência e de proteção institucional.
O texto aprovado eleva penas para 20 a 40 anos nos casos de participação em facções ou milícias, podendo chegar a 66 anos para líderes de organizações. O substitutivo também amplia para até 85% o tempo necessário para a progressão de regime e proíbe indulto, graça, anistia e liberdade condicional a condenados por integrar grupos criminosos.
A lógica apresentada por defensores do projeto é a de que o Brasil enfrenta “organizações ultraviolentas”, conceito que gera controvérsia entre juristas por criar um novo tipo penal com potencial para gerar insegurança jurídica.
Outra mudança sensível é a previsão de que homicídios cometidos por faccionados sejam julgados por colegiado de primeira instância, e não mais pelo tribunal do júri. Parlamentares críticos afirmam que a medida pode tensionar garantias constitucionais e abrir espaço para disputas judiciais que prolonguem processos.
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A realização de audiências de custódia por videoconferência, como regra, também gerou debate, especialmente por seu impacto sobre direitos humanos e sobre a integridade das primeiras horas de detenção.
Ainda assim, a maioria da Câmara se alinhou ao discurso de que a proposta seria “a resposta mais dura da história da Casa”, nas palavras do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Para ele, medidas como enviar chefes de facções diretamente aos presídios federais e registrar encontros com advogados ampliam a capacidade do Estado de neutralizar comandos criminosos. Motta sustenta que o texto do governo tinha pontos positivos, mas exigia ajustes sob a perspectiva de diferentes bancadas.
A disputa agora se desloca para o Senado, onde o governo terá de reconstruir sua proposta inicial em meio a pressões políticas, agendas de segurança pública e um debate que contrapõe endurecimento penal a estratégias mais amplas de combate ao crime organizado.
O embate coloca em jogo modelos distintos de política de segurança: um baseado em inteligência e fortalecimento institucional; outro centrado em ampliação de penas e restrições processuais. O desfecho no Senado definirá qual desses caminhos prevalecerá na legislação federal.











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