Quito (Equador) — Em uma consulta popular carregada de simbolismo regional, os equatorianos rejeitaram neste domingo a instalação de bases militares estrangeiras e a abertura de um processo para reescrever a Constituição. A decisão preserva a Carta de 2008, referência internacional por reconhecer a natureza como sujeito de direitos, e envia um recado direto sobre soberania, Amazônia e os rumos da política ambiental na América do Sul.
O referendo ocorreu no mesmo período em que milhares de pessoas marcham pela Amazônia durante a COP30, no Brasil, pressionando líderes globais por comprometimento climático e proteção dos povos tradicionais.
A coincidência entre os dois eventos ampliou o peso político da decisão: enquanto negociações internacionais buscavam driblar interesses de potências sobre áreas estratégicas, o Equador escolheu manter o controle integral de seu território e de seu arcabouço constitucional.
A proposta derrotada permitiria que países estrangeiros instalassem bases militares em território equatoriano, com justificativas vinculadas a combate ao narcotráfico, controle de fronteiras e cooperação em segurança.
No entanto, a medida reabria uma disputa histórica pelo arco amazônico e colocava em risco a autonomia sobre regiões sensíveis, ricas em água, biodiversidade e minérios estratégicos.
A desconfiança também refletia experiências passadas: durante décadas, bases estrangeiras foram utilizadas na América Latina como instrumentos de vigilância, projeção de poder e pressão sobre governos democráticos.
A rejeição da reescrita da Constituição caminhou na mesma direção. A Carta de 2008 consolidou avanços inéditos, incluindo direitos da natureza, reconhecimento ampliado de povos indígenas e mecanismos de consulta prévia.
Alterá-la sem um debate aprofundado levantava temores de retrocessos institucionais e de flexibilização de proteções ambientais em um momento de intensas disputas por recursos naturais.
A preservação desse marco jurídico é vista por juristas e movimentos sociais como uma medida de defesa contra mudanças abruptas que poderiam beneficiar interesses externos ou grupos econômicos locais com grande influência territorial.

Até porque o Equador ocupa posição estratégica entre a costa do Pacífico, a cordilheira dos Andes e áreas que compõem a transição para a Amazônia. Bases estrangeiras nesse território teriam impacto sobre rotas aéreas, monitoramento florestal e corredores logísticos.
Não por acaso, a proposta foi lida por muitos equatorianos como parte de uma disputa global mais ampla, em que grandes potências buscam assegurar presença militar ou influência política sobre áreas ricas em recursos naturais — especialmente no momento em que a transição energética aumenta o valor estratégico de minerais e da própria floresta amazônica.
A decisão popular também dialoga com uma crescente sensibilidade socioambiental na América do Sul. Países amazônicos enfrentam conflitos entre exploração econômica e preservação, e parte da sociedade civil pressiona por modelos de desenvolvimento que combinem soberania, proteção ambiental e inclusão social.
Ao manter sua Constituição e recusar bases militares, o Equador reforça que a Amazônia e seus territórios associados não devem ser tratados como zonas militarizadas, mas como espaços de vida, biodiversidade e futuro climático do continente.
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O impacto do voto se espalha rapidamente pela Pan-Amazônia. Organizações indígenas de países vizinhos veem a decisão equatoriana como sinal de resistência democrática em defesa de territórios que historicamente sofrem com invasões, desmatamento e pressões externas.
A escolha também fortalece debates sobre governança ambiental integrada entre países sul-americanos, colocando a soberania amazônica como elemento central para políticas de longo prazo que envolvem clima, água, energia e direitos sociais.
Em um momento em que a região é pressionada por interesses globais e disputas internas, o gesto dos eleitores equatorianos reafirma uma visão de desenvolvimento que prioriza autonomia, equilíbrio socioambiental e defesa dos bens comuns.
Ao rejeitar bases estrangeiras e preservar uma Constituição pioneira, o país envia ao continente a mensagem de que o futuro da Amazônia deve ser decidido pelos que vivem nela, e não por agendas externas.











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