Crescimento do emprego

O Brasil comemora o desemprego no menor nível da série histórica — 5,6% no trimestre encerrado em setembro — ao mesmo tempo em que convive com uma informalidade persistente que atinge cerca de 40% da força de trabalho. Esse paradoxo não é produto da atual política econômica, mas resultado de um modelo que se instalou na última década: um país que desmontou a proteção trabalhista, enfraqueceu sindicatos, destruiu sua base industrial e apostou na precarização como forma de reorganizar o mercado de trabalho.

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A explosão do trabalho por conta própria com CNPJ ilustra essa herança. O que se vende como “formalização” é, em grande parte, a continuidade de relações de trabalho precarizadas sob outra roupagem jurídica.

Entre 2022 e julho deste ano, 5,5 milhões de trabalhadores migraram diretamente da CLT para o MEI ou PJ — muitos por pressão de empresas que, ao escapar dos encargos da carteira assinada, também se desobrigam de garantir direitos básicos como férias, FGTS e proteção previdenciária. Não é empreendedorismo: é sobrevivência travestida de autonomia.

Essa transição forçada só se tornou regra porque o País passou por um ataque profundo às instituições que organizavam o trabalho. A reforma trabalhista de 2017 retirou poder dos sindicatos, esvaziou a negociação coletiva e fragmentou a capacidade de resistência.

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Sem uma representação forte, o trabalhador ficou isolado frente a um mercado mais agressivo e a um Estado que, naquele período, virou as costas para sua função de proteção e indução ao desenvolvimento.

O efeito está nos números da produtividade. Enquanto o mercado de trabalho se expande, a entrega por hora trabalhada cresce apenas 0,3% ao ano nos últimos cinco anos. As empresas contratam mais gente para produzir quase a mesma coisa, porque a estrutura econômica foi rebaixada a atividades de baixa complexidade.

O Brasil reduz sua participação no comércio mundial para algo próximo de 1% e fica preso a setores que exigem muita força de trabalho e pouca capacidade tecnológica.

O que sustenta o avanço recente do emprego não é um milagre do mercado, mas o esforço para reconstruir o papel do Estado após anos de paralisação. A retomada de investimentos públicos, programas de renda e obras estruturantes reaqueceu a economia, mas ainda esbarra em uma herança corrosiva: a mão de obra disponível é amplamente informal, mal remunerada e desconectada de políticas de qualificação.

Crescimento do emprego

Parte do empresariado fala em “apagão de mão de obra”, mas o que existe é um apagão de direitos — um sistema que não oferece perspectiva de carreira nem ascensão social.

Não é falta de trabalhadores; é falta de empregos que valham a pena. Sem garantias, muitos jovens preferem atividades autônomas, ainda que mais instáveis, a aceitar vagas que reproduzem o mesmo ciclo de precariedade.

Essa equação não fecha para o futuro. Se os salários sobem sem produtividade, pressionam custos e realimentam a inflação — que sempre penaliza quem ganha menos. Se a produtividade não sobe porque a economia continua desindustrializada, o País perde competitividade e trava o crescimento. Um mercado de trabalho que se expande sem direitos é um castelo construído sobre areia: qualquer choque pode desmontá-lo rapidamente.

O caminho para reverter essa distorção não é reduzir ainda mais a proteção, mas reconstruí-la. A formalização sustentável não virá do empreendedorismo por necessidade, mas da retomada de uma estrutura produtiva capaz de incorporar trabalhadores qualificados com bons salários. Isso exige política industrial, crédito público orientado à inovação, reativação de cadeias estratégicas e sindicatos fortes na mesa de negociação.

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O Brasil está diante de um ponto de inflexão. A queda do desemprego não pode nos iludir: o verdadeiro desafio é transformar ocupação em desenvolvimento.

Depois do maior ataque aos direitos trabalhistas desde a redemocratização, o atual governo começa a recolocar o trabalho como eixo de cidadania e política econômica. Mas essa reconstrução será lenta — desmontar foi fácil, reconstruir exige projeto.

O País não precisa apenas de empregos. Precisa de trabalho com poder, capaz de reduzir desigualdades e ampliar oportunidades. A herança da precarização está dada.

A disputa política agora é pelo futuro: ou o Brasil consolida a reconstrução do Estado como motor do desenvolvimento ou continuará preso ao passado que produziu estatísticas vistosas e vidas instáveis. Sem Estado que proteja e sem sindicatos que negociem, não há pleno emprego — há pleno abandono.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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