Belém (PA) — A pressão de refugiados climáticos e organizações sociais marcou na última quarta-feira (12) os debates da COP30, onde deslocados por enchentes, secas e desastres cobraram que a mobilidade humana entre de forma definitiva nas negociações de adaptação, em um momento em que países já registram ciclos de fome, conflito e perda de territórios diante da emergência climática.
As discussões sobre mobilidade climática ganharam força nos corredores da conferência. Segundo a Organização Internacional para Migrações (OIM), milhões de pessoas deixam suas casas anualmente devido a eventos climáticos extremos — deslocamentos que, em sua maioria, acontecem dentro dos próprios países.
No entanto, a agência alerta que, a médio prazo, ilhas e regiões costeiras inteiras podem se tornar inabitáveis, ampliando um fenômeno global que já afeta populações vulneráveis em todos os continentes.
A vice-diretora-geral da OIM, Ugochi Daniels, defendeu que a mobilidade humana seja incorporada aos indicadores oficiais de adaptação da COP30. Para ela, políticas climáticas eficazes precisam oferecer condições dignas tanto para quem escolhe permanecer quanto para quem é forçado a migrar. Daniels ressalta que “opções regulares e seguras” são essenciais para evitar que desastres naturais transformem deslocamentos em crises humanitárias prolongadas.
A OIM atua hoje em 80 países com projetos de adaptação e resposta a deslocamentos, priorizando soluções lideradas por comunidades impactadas. A expectativa da agência é que a COP30 se torne um ponto de virada, colocando a mobilidade humana no centro da ação climática, especialmente no financiamento para perdas e danos — uma das áreas mais sensíveis das negociações.
A força das vozes deslocadas ficou evidente nos depoimentos apresentados em Belém. O haitiano Robert Montinard, refugiado no Brasil desde o terremoto de 2010, relatou como “dez segundos mudaram sua vida para sempre”. Ele fundou a Associação Mawon, que apoia migrantes e refugiados, e defendeu que populações afetadas participem da formulação de políticas climáticas.
Em um encontro com a primeira-dama Rosângela Lula da Silva e a ministra Marina Silva, Montinard entregou uma carta com propostas, incluindo conselhos municipais de clima, combate ao racismo ambiental e criação de brigadas comunitárias de resposta a desastres.
Para ele, o Haiti vive uma “injustiça climática”, expressão que utiliza para descrever o abismo entre países pobres e ricos na capacidade de reconstrução após catástrofes. Ele compara: “Eventos extremos atingem a Flórida e o Haiti, mas só em um deles a reconstrução acontece rapidamente”. A assimetria reforça a urgência de apoio financeiro internacional e de políticas estruturantes para adaptação — tema que atravessa toda a COP30.

Experiências semelhantes surgem de outras regiões. O etíope Makebib Tadesse, também presente na conferência, afirma que a crise climática tem impulsionado conflitos armados em seu país. Disputas por terras, agravadas pela escassez de alimentos e água, criam um “ciclo contínuo de violência e deslocamento”.
Tadesse descreve a situação atual como mais profunda e desestabilizadora do que a guerra civil etíope que durou quase duas décadas, destacando que migrações forçadas se tornaram inevitáveis em muitas regiões rurais.
Ambos integram a delegação do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), que levou à COP30 uma agenda voltada para educação, proteção jurídica e ampliação de oportunidades para deslocados. A presença de ativistas, indígenas e representantes de comunidades negras reforça a tentativa de consolidar o conceito de justiça climática, conectando desigualdades históricas ao impacto desproporcional das mudanças climáticas sobre populações vulneráveis.
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O ator mexicano Alfonso Herrera, embaixador da Boa Vontade do Acnur, destacou que as vozes de refugiados continuam “caladas em muitas negociações”, apesar de serem os primeiros atingidos. Ele elogiou a política brasileira de acolhimento e defendeu que sua postura “deve ser celebrada” em um cenário global marcado por fechamentos de fronteira e retrocessos humanitários.
Nos bastidores da COP30, negociadores afirmam que incluir a mobilidade climática nas metas de adaptação seria um avanço simbólico e político importante. Isso permitiria que países estruturassem sistemas de proteção social, planos de reassentamento e mecanismos financeiros para apoiar deslocados — medidas consideradas fundamentais em uma era de desastres mais intensos e frequentes.
À medida que a conferência avança, o desafio é transformar a visibilidade conquistada pelas delegações de refugiados em compromissos concretos. Portanto, reconhecer a mobilidade humana como elemento central da política climática não é apenas uma questão técnica: é um passo para garantir direitos, dignidade e condições reais de adaptação a milhões de pessoas que vivem na linha de frente da crise climática mundial.











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