Brasília (DF) — A quarta versão do PL Antifacção apresentada pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP) reacendeu o conflito entre governo federal e a ala mais dura do Congresso em torno da política de segurança pública. Mesmo após alterações sucessivas, o Ministério da Justiça afirma que o parecer cria normas conflitantes, fragiliza investigações da Polícia Federal e abre margem para enquadrar movimentos sociais como organizações criminosas. Para o Planalto, o texto virou instrumento de disputa política em um momento em que o país busca respostas consistentes ao crime organizado.
O PL Antifacção nasceu após a operação no Rio de Janeiro que deixou 121 mortos. A ideia original do governo era endurecer penas para chefes de facções, acelerar investigações e atacar o patrimônio dessas organizações — o “coração” financeiro, como define o secretário nacional de Assuntos Legislativos, Marivaldo Pereira.
O parecer de Derrite, porém, rompeu com essa lógica. Em vez de operar sobre o marco normativo existente, o relator propôs uma norma paralela, que o MJSP considera “autônoma, mal conectada e juridicamente conflitiva”. Segundo o ministério, isso abriria brechas para disputas judiciais, atrasos processuais e questionamentos que podem paralisar investigações em curso.
O relator também alterou a forma de perda de bens ilícitos, criando um mecanismo que exige condenação prévia antes da apreensão definitiva — o oposto do modelo defendido pelo Executivo, que prevê ação civil de perdimento mesmo quando a ação penal não puder avançar. Para o governo, isso favorece o crime organizado ao adiar por décadas a expropriação do patrimônio ilegal.
Para além das divergências técnicas, o embate revela uma disputa de modelos. O governo defende uma política de segurança baseada em inteligência, rastreamento financeiro e integração das forças policiais — estratégia consolidada em operações recentes da PF, como a Carbono Oculto.
Derrite, por sua vez, aposta no endurecimento penal e na expansão de figuras criminais, alinhado ao discurso punitivista que ganhou força em parte do Congresso e em governos estaduais de perfil conservador. Na leitura do Planalto, o relator tenta transformar o debate em palanque ideológico, produzindo um texto que “ignorou o Executivo”, segundo Marivaldo.
O ponto mais sensível está no risco de criminalização de protestos. O parecer permite enquadrar grupos que “obstruam” operações policiais como organizações criminosas, com penas de até 30 anos. O MJSP alerta que mães protegendo estudantes em desalojamentos ou manifestantes em atos pacíficos poderiam ser punidos como integrantes de facções — algo que considera “mal feito e perverso”.
Outro foco de tensão é o financiamento da Polícia Federal. O relatório divide bens apreendidos com fundos estaduais, reduzindo o fluxo para Funapol, Funad e FNSP — justamente os mecanismos que sustentam as grandes operações federais. Para o governo, isso enfraquece a PF e dá mais poder político aos estados sobre investigações sensíveis.
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A votação foi adiada para a próxima terça (18) após pressão do Executivo e de governadores. Até lá, o governo tenta reconstruir o texto a partir de sua proposta original, enquanto a oposição aposta na narrativa de que o Planalto estaria “protegendo facções” ao criticar o relatório.
Na prática, o que se decide não é apenas o conteúdo de um projeto de lei, mas a direção da política criminal brasileira. De um lado, uma visão baseada em penalização ampliada e resposta policial imediata. De outro, uma estratégia que prioriza inteligência, coordenação institucional e desmonte financeiro do crime.
A disputa no Plenário será, portanto, menos jurídica e mais política. O resultado indicará se o Congresso optará por uma arquitetura de segurança pública alinhada ao populismo penal ou a um modelo de Estado capaz de enfrentar o crime organizado sem comprometer direitos civis, investigações e o próprio funcionamento das instituições.











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