Joanesburgo (África do Sul) — Líderes políticos, acadêmicos e diplomatas da China e de países africanos se reuniram na última semana no “Fórum de Mesa Redonda China-África – Diálogo Global do Sul”, que discutiu novas formas de cooperação e governança internacional sob o marco da Iniciativa de Governança Global proposta por Pequim.
A conferência, organizada pelo jornal estatal chinês Global Times, consolidou o papel da China como principal articuladora do discurso de integração do Sul Global. O evento ocorreu no momento em que o país celebra o 25º aniversário do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) e tenta converter seu avanço econômico em capital político.
Segundo os organizadores, o encontro buscou fortalecer o intercâmbio entre governos, universidades e meios de comunicação para ampliar a influência do eixo sul-sul nas instituições multilaterais.
Autoridades africanas destacaram que o Sul Global deve ser entendido não apenas como um conceito geográfico, mas como um espaço político que reivindica autonomia na definição de suas próprias trajetórias de desenvolvimento.
A vice-ministra sul-africana de Administração Pública, Pinky Sharon Kekana, defendeu que o diálogo é a ferramenta central para enfrentar conflitos que ameaçam a prosperidade mundial. Já o representante chinês Qin Zhanpeng afirmou que o país quer consolidar uma “comunidade de destino compartilhado” com a África, elevando as relações bilaterais ao nível estratégico.
A China apresentou o fórum como um símbolo de “cooperação civilizatória” e de contraponto ao modelo de governança dominado pelo Ocidente. Os painéis abordaram três eixos: construção de consenso político, papel da mídia no fortalecimento do discurso do Sul Global e capacitação conjunta em agricultura, tecnologia e comércio.
A narrativa reforça a ideia de que o desenvolvimento chinês — marcado por planejamento estatal e industrialização rápida — seria um modelo possível para outras nações em desenvolvimento.
Nos bastidores, porém, o encontro também ilustra o movimento mais amplo de Pequim para institucionalizar sua presença econômica e diplomática na África. A retórica de “governança inclusiva” convive com a busca por influência geopolítica, financiamento de infraestrutura e abertura de mercados para empresas chinesas.

O discurso sobre multipolaridade vem acompanhado de uma agenda que amplia a dependência africana de crédito, tecnologia e manufaturas chinesas.
Nesse sentido, o fórum é parte de uma estratégia de “soft power estruturado” — uma diplomacia que combina cooperação técnica, presença empresarial e alinhamento político. Ao propor um modelo de governança alternativo, a China tenta legitimar sua expansão global sem confrontar abertamente o sistema multilateral existente.
Para a África do Sul, anfitriã do evento, o desafio é equilibrar os benefícios do investimento chinês com a necessidade de preservar autonomia política e industrial.
O encontro também revelou a crescente tentativa de integrar comunicação e diplomacia. Representantes de veículos africanos e chineses defenderam a criação de uma rede de mídia do Sul Global capaz de disputar narrativas com a imprensa ocidental. O argumento central é que a representação internacional ainda é assimétrica — e que as histórias de desenvolvimento do Sul precisam ser contadas por quem as vive.
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Ao final, o fórum resultou em declarações de intenção, mas sem compromissos concretos. O tom conciliador esconde divergências internas entre países africanos quanto à velocidade e à profundidade da parceria com Pequim. Ainda assim, a reunião marca um avanço simbólico na tentativa de consolidar um eixo político e comunicacional fora das potências tradicionais.
A rodada de Joanesburgo reforça que a disputa por hegemonia global não se trava apenas em cifras comerciais ou bases militares, mas também na definição de valores, linguagem e modelos de desenvolvimento.
Nesse contexto, o Sul Global emerge como campo de convergência e competição, e a China, ao apresentar-se como parceira e mentora, ensaia o passo seguinte: transformar cooperação em liderança.











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