Rentismo

Na última quinta-feira o Brasil acordou, mais uma vez, com a promessa de estabilidade. A taxa básica de juros, mantida em 15%, foi recebida com alívio pelos economistas ortodoxos e aplausos do mercado financeiro.

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A grande imprensa, fiel ao conforto dos mercados, estampou nas manchetes o verbo que mais traduz o espírito do rentismo: manter.

Mas por trás da palavra técnica, há uma escolha moral. Manter os juros em 15% é deixar o país de joelhos ao capital especulativo, com o crédito proibitivo, o investimento travado e a renda comprimida.

Manter a Selic em um patamar tão elevado é condenar a produção e priorizar uma elite que não precisa produzir para lucrar.

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O Comitê de Política Monetária (Copom), formado por técnicos ligados ao sistema financeiro, sustenta que a decisão é para conter a inflação, só não diz que esse controle vem às custas de famílias endividadas, empresas asfixiadas e empregos adiados.

Cada ponto percentual é uma cerca a mais separando o país que lucra do país que trabalha.

O Brasil é um caso raro: defende o juro alto como virtude cívica. Transformou o rentismo em ideologia, o conservadorismo fiscal em religião e o sofrimento econômico em prova de fé.

É a penitência de um Estado que prefere conter o consumo popular a enfrentar os privilégios do capital. Quando o juro é de 15%, a prioridade do país não é crescer, é garantir que o dinheiro parado continue valendo mais do que o suor em movimento.

O discurso da austeridade é bonito na boca dos números, mas cruel na boca do povo. A mesma taxa que orgulha os relatórios de economia é a que humilha o pequeno empresário no banco, o estudante no consignado, o pai de família no rotativo.

O rentismo virou o motor da economia — um motor que consome mais do que produz. Ele gira em falso, movido pelo medo. Medo da inflação, do déficit, do risco. O mesmo medo que impede o país de investir, inovar e planejar.

Enquanto o Banco Central defende o “realismo econômico”, o país vive o surrealismo social: o trabalhador paga 300% de juros no cartão enquanto o capitalista dorme ganhando 15% – ou mais – sem sair da cama.

É o modo civilizado de extrair riqueza sem sujar as mãos. E enquanto isso for considerado normal, seguiremos aplaudindo o colapso travestido de responsabilidade.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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