Reforma tributária

Brasília (DF) — O mecanismo de cashback de impostos, previsto na reforma tributária sancionada em janeiro, deve elevar em média 10% a renda das famílias mais pobres do país, mas de forma desigual entre as regiões. O levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) mostra que o aumento será maior no Centro-Oeste (12%), Sudeste (11%) e Sul (10,1%) do que no Norte (8,3%) e Nordeste (7,7%), refletindo diferenças no nível de consumo e no grau de formalidade das economias regionais.

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Os pesquisadores Rafael Barros Barbosa, Glauber Nojosa e Francisco Mário Martins apontam que, embora a medida seja um avanço na progressividade do sistema tributário, o seu alcance depende diretamente da capacidade das famílias de consumir em estabelecimentos formais.

No Norte e Nordeste, onde a renda média é mais baixa e o comércio informal responde por até 60% das transações, o benefício tende a ser menor. A devolução será feita sobre impostos embutidos nas contas de água, luz, gás, telefonia e internet, além de parte das compras essenciais — 100% da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e 20% do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Criado para corrigir uma distorção histórica do sistema brasileiro — em que pobres pagam proporcionalmente mais impostos sobre o consumo —, o cashback devolve parte do tributo pago a quem está inscrito no Cadastro Único, com renda familiar per capita de até meio salário mínimo.

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Trata-se de um instrumento que transforma a tributação regressiva em política redistributiva, devolvendo recursos diretamente ao contribuinte de baixa renda e reduzindo a desigualdade dentro do próprio sistema fiscal.

A diferença regional dos ganhos evidencia, no entanto, que a desigualdade não se limita ao imposto pago, mas também à estrutura produtiva e às condições de mercado de cada território. No Sudeste, o pobre consome mais e de forma mais formalizada; no Nordeste, consome menos e em mercados informais, o que reduz a devolução.

O estudo da FGV mostra que essa assimetria é reforçada pela informalidade: enquanto a taxa nacional média é de 41%, no Norte chega a 60% e no Nordeste a 57%. Como o benefício só é calculado sobre compras com nota fiscal, uma parte expressiva da economia popular permanece fora do alcance do cashback.

Apesar disso, os pesquisadores afirmam que o mecanismo é superior a políticas tradicionais, como isenções generalizadas de cesta básica, que beneficiam ricos e pobres na mesma proporção. Por devolver o imposto apenas às famílias elegíveis, o cashback se torna mais focalizado e menos oneroso aos cofres públicos.

Essa calibragem torna o mecanismo mais equilibrado do ponto de vista distributivo: o Estado preserva sua capacidade de arrecadação, mas devolve parte da carga de forma transparente e proporcional, ampliando o poder de compra das famílias de menor renda e reduzindo as distorções do sistema tributário.

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O estudo também sugere que a política pode gerar um efeito secundário virtuoso: o estímulo à formalização. Ao criar vantagem direta para quem compra em estabelecimentos legalizados, o mecanismo incentiva o consumidor de baixa renda a buscar o comércio formal, e força empresas a regularizar fornecedores para ter acesso aos créditos tributários.

O mecanismo tende a reduzir gradualmente o peso da informalidade, ampliar a base fiscal e tornar a arrecadação mais equilibrada. Ao favorecer o consumo formal e a regularização de empresas, o cashback pode fortalecer a economia produtiva e gerar um ciclo de crescimento mais estável e inclusivo.

A análise da FGV reforça, ainda, que o cashback não provocará distorções migratórias internas. A diferença de impacto entre regiões é insuficiente para deslocar trabalhadores, mas significativa para abrir uma nova frente de justiça econômica.

Se bem implementado, o programa pode inaugurar um modelo de tributação mais progressivo, que alia eficiência fiscal a inclusão social — um dos pilares de um Estado capaz de promover desenvolvimento com equidade.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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