Florianópolis (SC) — O Tribunal Regional Federal da 4ª Região suspendeu a liminar que determinava a desocupação imediata de uma comunidade Kaingang instalada em área rural de Xaxim, no oeste catarinense. A decisão atendeu a recurso da Procuradoria Regional Federal da 4ª Região, que representa a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e reverteu a ordem de retirada em 24 horas solicitada pela massa falida da antiga empresa Chapecó Companhia Industrial de Alimentos.
A liminar previa que 16 famílias Kaingang, incluindo 20 crianças e 5 idosos, deixassem a fazenda Rodeio Bonito, ocupada desde janeiro deste ano. Ao recorrer, a Advocacia-Geral da União sustentou que a medida contrariava recomendações do Conselho Nacional de Justiça, que orientam tribunais a evitar remoções forçadas e priorizar soluções de diálogo em disputas fundiárias.
O TRF4 acolheu os argumentos e ressaltou que qualquer desocupação coletiva deve ser precedida de plano de ação e medidas de proteção para garantir a integridade das famílias. O procurador federal Marcelo Roberto Zeni, que atua no caso, afirmou que a retirada de grupos vulneráveis exige protocolos claros e coordenação entre órgãos públicos.
Já a coordenadora do Núcleo de Atuação Prioritária da PRF4, Camila Martins, defendeu que o caminho adequado seria o encaminhamento do conflito à Comissão Regional de Soluções Fundiárias, criada justamente para articular mediação entre comunidades, proprietários e órgãos do Estado.
Mais do que um revés pontual, a decisão simboliza um movimento mais amplo de afirmação do papel institucional do Estado como mediador de conflitos sociais. Ao exigir planejamento e diálogo, o tribunal reafirma o princípio de que o desenvolvimento não pode avançar à margem dos direitos humanos e da dignidade das populações tradicionais.
O reconhecimento da vulnerabilidade indígena como elemento jurídico e humanitário essencial traduz, na prática, uma combinação de segurança jurídica, inclusão e responsabilidade pública.
A decisão também revela a maturação de uma política judiciária que busca integrar as dimensões econômica e social do desenvolvimento.
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Em vez de reproduzir a lógica da força, o TRF4 optou pela racionalidade institucional, reduzindo o risco de violência e abrindo espaço para soluções duradouras. O acórdão consolida a compreensão de que o território é mais do que propriedade: é ativo coletivo, cultural e ambiental, cuja gestão equilibrada interessa a toda a sociedade.
Com a suspensão da liminar, as famílias Kaingang permanecem na área até que sejam concluídas as negociações conduzidas pela Funai e pela Comissão de Soluções Fundiárias. O caso expõe o contraste entre o passado de remoções sumárias e o esforço atual de construir uma justiça de base cidadã, capaz de conciliar proteção social e segurança jurídica.
A decisão, ao mesmo tempo técnica e simbólica, reafirma a vocação do Estado brasileiro para resolver conflitos complexos com diálogo, humanidade e compromisso com um modelo de desenvolvimento que não exclui, mas integra.











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