Belém (PA) — A abertura da Cúpula do Clima em Belém, com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, marcou um momento histórico na diplomacia ambiental. Ao defender a “superação do egoísmo” e afirmar que o tempo para reverter a destruição “está se esgotando”, Lula transformou o evento em um chamado global à cooperação e reposicionou o Brasil como voz ativa e inspiradora na luta contra a crise climática.
A escolha das palavras e das imagens foi deliberada. Ao evocar povos indígenas, rios e a metáfora da “Bíblia” para a floresta, o presidente buscou conectar uma pauta técnica a uma sensibilidade popular, deslocando o debate do jargão técnico para a linguagem das ruas.
Isso tem efeito prático: ao “popularizar” a causa climática, Lula amplia a base social que legitima decisões difíceis — desde políticas de proteção territorial até cortes de emissões que exigem investimentos e reordenamentos econômicos.
No plano externo, a fala tem dupla finalidade. Primeiro, reafirma a estratégia do Planalto de posicionar ministérios de meio ambiente e de finanças em diálogo — argumento que o Brasil vem levando ao G20 e ao BRICS — para exigir instrumentos financeiros capazes de viabilizar uma transição justa.
Segundo, é ato de reconstrução de imagem: depois de anos em que o Brasil foi visto com desconfiança em fóruns ambientais, a cúpula em Belém é tentativa explícita de transformar um passivo reputacional em capital diplomático.
Quando Lula diz que a COP “será a COP da verdade”, ele está pedindo, na prática, que promessas históricas se convertam em cronogramas e dinheiro — financiamento concessional, transferência tecnológica e planos concretos para deter o desmatamento.
Ao colocar a Amazônia no centro do palco, o governo não apenas sinaliza compromisso, mas também tenta obter vantagem negociadora: sediar a discussão transforma demandas brasileiras em pauta obrigatória das conversas multilaterais.
No entanto, a pressão por ações mais duras contra o desmatamento e a transição energética esbarra em interesses agrícolas e em setores que receiam perdas de mercado ou necessidade de adaptação.
Por isso o discurso teve outro destino além das capitais estrangeiras: falar para o Congresso, para líderes regionais e para o agronegócio, tentando construir um consenso suficientemente amplo para sustentar medidas difíceis.
O gesto simbólico de trazer o mundo à Amazônia é, portanto, uma forma de descentralizar a diplomacia, obrigar interlocutores a verem o bioma com olhos diferentes e tentar criar uma narrativa de responsabilidade compartilhada.
Na leitura do Planalto, a legitimidade trazida pela floresta pode converter-se em verbas e acordos; na prática, exigirá dar respostas concretas sobre manejo sustentável, inclusão dos povos tradicionais e políticas de desenvolvimento de baixa emissão.
Há também uma dimensão de legado. Lula posou Belém como palco para um projeto de Estado que quer combinar preservação e justiça social — a proposta de que proteger a natureza e reduzir desigualdades são objetivos convergentes.
Isso funciona como mensagem política de longo prazo: o governo tenta consolidar uma narrativa de Estado, que projeta o Brasil e o presidente como protagonistas duradouros da agenda ambiental e do desenvolvimento sustentável.
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O discurso, no entanto, não dissolve incertezas internacionais. Rivalidades geopolíticas e crises regionais, apontou o presidente, drenam recursos e atenção que deveriam ser destinados ao clima.
Reunir compromissos e dinheiro em torno de um “mutirão mundial” é objetivo elevado; sua viabilidade dependerá, porém, de barganhas multilaterais, execução domesticada e da capacidade do Brasil de articular políticas internas que deem substância às promessas.
Ao encerrar com agradecimentos aos trabalhadores que organizaram a cúpula e com a imagem da Amazônia como “Bíblia” que cada um interpreta à sua maneira, Lula fez uma operação retórica dupla: humanizou a cena e, ao mesmo tempo, reconheceu a disputa sobre narrativas.
Foi um chamado à unidade que, para surtir efeito, precisa agora ser traduzido em medidas políticas e econômicas concretas — desde planos de financiamento até ações territoriais que envolvam comunidades e produtores.











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