São Paulo (SP) — O presidente do Fórum Econômico Mundial (WEF), Børge Brende, alertou nesta terça-feira (5) que o mundo enfrenta três potenciais bolhas de risco: as criptomoedas, a inteligência artificial e a dívida soberana. O aviso, feito durante encontro com jornalistas em São Paulo, é mais do que um prognóstico financeiro. É um retrato da fragilidade de um sistema global que se habituou a confiar no mercado, mas esqueceu a importância da regulação pública.
Brende destacou que o endividamento público global atingiu o maior nível desde 1945, alimentado por déficits estruturais e políticas monetárias que privilegiam o capital financeiro em detrimento do investimento produtivo.
“O mundo está operando com riscos interconectados que podem se transformar em choques simultâneos”, afirmou o dirigente, ao defender “cooperação e governança global mais efetiva”.
O alerta sobre as bolhas não é novo, mas o contexto é. A financeirização das economias, a desregulação tecnológica e a corrida especulativa por ativos digitais criaram uma economia mundial movida por expectativas, não por fundamentos.
O colapso do setor imobiliário em 2008 mostrou que a autorregulação de mercado tem limites. Dezessete anos depois, o mundo parece repetir o mesmo erro — agora com algoritmos, dados e moedas digitais no lugar dos derivativos.
A chamada “bolha da inteligência artificial” reflete uma valorização excessiva de empresas sem resultados concretos, sustentadas por capital de risco em busca de lucros rápidos.
A bolha das criptomoedas, por sua vez, é fruto direto da ausência de regulação financeira internacional. E a da dívida soberana traduz a incapacidade dos governos de coordenar políticas fiscais e monetárias em um ambiente global dominado por especulação e juros altos.
Esse fenômeno não é apenas técnico, mas político. A erosão do Estado como indutor de investimento e fiscalizador de riscos abriu espaço para uma economia comandada por plataformas e fundos, sem contrapesos públicos.
Países que mantiveram instrumentos de planejamento e crédito estatal — como bancos públicos e fundos de desenvolvimento — têm resistido melhor aos choques externos.

A América Latina ilustra esse contraste. O Brasil, por exemplo, voltou a adotar políticas industriais voltadas à transição verde, com o Estado recuperando o papel de financiador e planejador. Enquanto isso, economias excessivamente dependentes do mercado financeiro, como a Argentina, sofrem com fuga de capitais e baixo crescimento.
O Fórum Econômico Mundial, tradicionalmente identificado com o liberalismo econômico, tem mostrado sinais de inflexão. Ao reconhecer que a estabilidade global exige coordenação estatal e transparência regulatória, o WEF ecoa preocupações de organismos como o Banco Mundial e o FMI, que voltaram a defender investimentos públicos em infraestrutura e transição energética.
As três bolhas apontadas por Brende sintetizam o mesmo dilema: a economia mundial está produzindo riqueza digital, mas acumulando instabilidade real.
A ausência de regulação sobre IA e criptomoedas se soma à incapacidade de reestruturar dívidas públicas em países em desenvolvimento — o que cria uma cadeia de vulnerabilidade sistêmica que ameaça não apenas mercados, mas sociedades inteiras.
Vale destacar que a concentração tecnológica em poucas corporações e a financeirização da dívida pública transferem poder das instituições democráticas para o capital privado global. O resultado é um mundo hiperconectado e, paradoxalmente, ingovernável.
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Se a história tem um padrão, o caminho da estabilidade não passa pela retração do Estado, mas pelo seu fortalecimento estratégico.
Regular as novas tecnologias, disciplinar o sistema financeiro e reconstruir a capacidade de investimento público são tarefas urgentes de um novo consenso global — um que substitua o dogma da austeridade pela lógica do desenvolvimento compartilhado.
Enquanto os mercados observam as curvas das próximas bolhas, o verdadeiro debate está em outro lugar: sem um Estado capaz de governar a economia, o risco não é apenas de colapso financeiro, mas de paralisia política.
O alerta do Fórum Econômico Mundial soa, enfim, como uma constatação paradoxal: quanto mais o mundo se globaliza, mais precisa do Estado para não se perder em seu próprio desequilíbrio











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