Brasília (DF) — A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC 2024), divulgada pelo IBGE na sexta-feira (31), mostrou que o Brasil não está preparado para enfrentar as mudanças climáticas. As chuvas de abril de 2024 atingiram 92,4% dos municípios do Rio Grande do Sul e, embora 84% tivessem planos de contingência, só 70% conseguiram executá-los. O dado revela o abismo entre o planejamento e a ação e confirma que o clima deixou de ser uma ameaça natural para se tornar um risco estrutural à economia e à gestão pública.
As enchentes gaúchas não foram apenas um desastre ambiental. Elas revelaram o colapso de um modelo de administração que reage em vez de se antecipar. Segundo o IBGE, 63% dos municípios afetados emitiram alertas durante o evento, mas a maioria não possuía sistemas integrados de monitoramento nem comunicação eficiente com a população.
O resultado foi o mesmo de crises anteriores: sirenes tardias, respostas fragmentadas e comunidades inteiras isoladas. A destruição de estradas, pontes e áreas urbanas mostrou que a falta de estrutura transforma a chuva em tragédia e o improviso em política recorrente.
Mesmo com um aparato institucional mais robusto do que há uma década, o país ainda falha na execução. Quase todas as prefeituras têm secretarias ambientais e planos de defesa civil, mas a maioria carece de orçamento, pessoal técnico e integração entre políticas urbanas, ambientais e econômicas.
As estruturas existem no papel, mas não resistem quando o desastre chega. Em muitos casos, o plano de contingência se resume a uma formalidade burocrática, ativada apenas após a catástrofe, quando já é tarde demais.
A crise do Rio Grande do Sul expôs um efeito em cadeia que vai além das fronteiras estaduais. O agronegócio foi interrompido, fábricas pararam, o transporte colapsou e a arrecadação despencou.
O impacto econômico das enchentes mostrou que o clima, mais do que um fenômeno natural, é hoje uma variável macroeconômica: quando falha a prevenção, perde-se produção, emprego e renda. Ironicamente, o Brasil discute metas de neutralidade de carbono e transição verde, mas ainda trata a resiliência climática como gasto, não como investimento.
O levantamento também revela a fragilidade das bases municipais diante de uma crise permanente. O país descentralizou responsabilidades, mas não transferiu meios. Hoje, 82% das cidades brasileiras são as únicas responsáveis pela manutenção de estradas vicinais — infraestrutura essencial para o escoamento de safras e mercadorias.
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Quando essas vias cedem, colapsa a economia local e aumenta o custo logístico nacional. A vulnerabilidade climática, portanto, não é apenas ambiental: é produtiva, social e fiscal.
As enchentes do Sul deixam uma lição clara. Sem política permanente de adaptação, o Brasil continuará girando entre tragédias e reconstruções, gastando mais para reparar do que para prevenir. A transição para uma economia verde depende de planejamento territorial, infraestrutura resiliente e financiamento estável — não de respostas improvisadas.
O país já tem diagnósticos, planos e discursos. Falta fazer do enfrentamento climático uma prioridade nacional, com orçamento e metas que cheguem até o nível municipal, onde o desastre começa.
O futuro climático do Brasil não se decide em conferências internacionais, mas nas prefeituras que ainda lutam para evitar o próximo colapso. Enquanto a prevenção continuar sendo exceção, cada nova chuva voltará a lembrar que o clima já é parte da nossa infraestrutura e ignorá-lo custa mais caro do que enfrentá-lo.

            
            
            
            








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