Dívida Pública
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Brasília (DF) — A Dívida Pública Federal caiu 0,28% em setembro e encerrou o mês em R$ 8,12 trilhões, segundo o Tesouro Nacional. À primeira vista, o recuo parece indicar trégua nas contas públicas, mas a leitura mais ampla revela outro quadro: o endividamento brasileiro continua caro, curto e ineficiente para financiar o desenvolvimento.

continua depois da publicidade

O que reduziu o estoque da dívida não foi a folga fiscal, mas o vencimento atípico de títulos atrelados à Selic. Em setembro, o governo resgatou cerca de R$ 257 bilhões em papéis, emitindo R$ 157 bilhões no mesmo período. A diferença foi parcialmente compensada pela incorporação de R$ 75 bilhões em juros, o que mantém o custo total em patamar elevado.

Com a taxa Selic em 15% ao ano, cada ponto percentual representa bilhões de reais adicionais em despesa financeira. O resultado é uma dívida que recua no volume, mas avança no peso. O próprio Tesouro projeta que o estoque deve terminar 2025 entre R$ 8,5 trilhões e R$ 8,8 trilhões — um crescimento coerente com a manutenção de juros reais acima de 6% ao ano.

Entretanto, o problema central não está no tamanho da dívida, e sim na forma como ela é gerida. Quase metade dos títulos está indexada à Selic, o que torna o Estado refém das decisões do Banco Central. Essa estrutura de curto prazo amplia a volatilidade e impede que a dívida cumpra seu papel de financiar o investimento público de longo alcance.

continua depois da publicidade

Enquanto isso, o chamado “colchão de liquidez” — a reserva que dá segurança para rolar vencimentos — caiu de R$ 1,13 trilhão para R$ 1,03 trilhão, cobrindo pouco mais de nove meses de compromissos. A redução não é alarmante, mas evidencia o esgotamento de uma estratégia centrada na gestão de caixa, não na reconstrução da capacidade de investimento do Estado.

O Brasil gasta cerca de 5% do PIB ao ano em juros, proporção superior à média dos países emergentes e que consome recursos equivalentes a várias vezes o orçamento anual de infraestrutura. Na prática, o país remunera a ociosidade financeira enquanto posterga políticas capazes de elevar produtividade e renda.

Nesse sentido, o debate sobre a dívida deve sair do terreno do medo e entrar no da finalidade. Endividar-se não é problema quando o crédito público financia transformação produtiva, infraestrutura e inovação. O impasse atual, contudo, surge justamente porque o Estado paga caro sem receber crescimento em troca.

Com o arcabouço fiscal em revisão e a meta de superávit primário reduzida para 0,25% do PIB, o desafio não é cortar mais, e sim coordenar melhor. Um sistema em que a política monetária freia o investimento enquanto a política fiscal tenta preservá-lo produz um equilíbrio de baixo crescimento, no qual a dívida se mantém estável apenas porque o país não avança.

Dívida Pública
Foto: Lula Marques/ Agência Brasil.

O perfil dos papéis continua dominado pelos títulos pós-fixados (47,5%), seguidos pelos indexados à inflação (26,8%) e pelos prefixados (22%).

Esse arranjo revela o predomínio de uma lógica defensiva: investidores buscam proteção contra a instabilidade, e o Tesouro aceita prazos curtos para manter a demanda. O custo é previsibilidade nula — e uma economia permanentemente em modo de espera.

Entre os detentores da dívida, bancos, fundos de investimento e fundos de pensão concentram mais de 75% do total, enquanto a presença de estrangeiros ronda 10%.

O peso doméstico dá estabilidade, mas reforça a dependência de um sistema financeiro que lucra com a manutenção de juros altos e aumenta o seu lobby no congresso.

Leia Mais

No plano macroeconômico, a dívida pública brasileira não é excessiva em comparação internacional. O problema é qualitativo, não quantitativo. O país mantém uma das maiores taxas de juros reais do mundo e, ao mesmo tempo, um dos menores níveis de investimento público. O resultado é uma equação em que a dívida financia o próprio custo da dívida — e pouco mais.

A queda de setembro, portanto, é sintoma, não solução. Dessa forma, o verdadeiro debate está em transformar o endividamento em ferramenta de crescimento sustentável.

Sem isso, cada redução pontual no estoque será apenas contábil, enquanto o custo estrutural da estagnação se acumula nas planilhas e no cotidiano do país.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Ainda não há comentários nesta matéria.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima