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Brasília — O sistema bancário brasileiro decidiu reagir ao avanço da economia paralela que se alimenta de apostas online e fraudes digitais. A partir desta segunda-feira (27), os bancos associados à Federação Brasileira de Bancos (Febraban) passam a seguir um novo código de autorregulação que obriga o encerramento imediato de contas usadas para operações fraudulentas, lavagem de dinheiro e apostas sem licença do governo. A medida, segundo a entidade, busca conter o crescimento das chamadas contas laranja — abertas por pessoas físicas e alugadas a criminosos — e das contas frias, criadas com documentos falsos.

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A iniciativa surge em meio à escalada de golpes e movimentações suspeitas no país. Somente em 2024, o Banco Central registrou mais de 2,5 milhões de comunicações de operações atípicas, um recorde histórico.

A disseminação de plataformas de apostas, transferências instantâneas e fintechs ampliou o número de intermediários financeiros e tornou o rastreamento de fluxos ilícitos mais complexo.

“Sem exceção, bancos e fintechs têm o dever de impedir a abertura e manutenção de contas fraudulentas”, afirmou Isaac Sidney, presidente da Febraban, ao anunciar as novas regras.

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As diretrizes determinam que as instituições criem protocolos próprios de identificação, comuniquem casos suspeitos ao Banco Central e encerrem contas de bets sem autorização da Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda.

O processo será fiscalizado pela Diretoria de Autorregulação da Febraban, que poderá solicitar evidências de reporte e aplicar sanções — de advertência à exclusão do sistema. O texto exige ainda que cada banco apresente, anualmente, uma declaração de conformidade assinada por sua área de auditoria ou compliance.

A autorregulação também prevê campanhas conjuntas de educação financeira para alertar a população sobre o aluguel de contas e o uso de plataformas não regularizadas. Nos últimos anos, o fenômeno das “contas de aluguel” se tornou peça central em esquemas de estelionato digital, inclusive nos golpes do Pix.

O problema é que cada golpe não gera apenas prejuízo individual, mas contamina o sistema de pagamentos, elevando custos de segurança e reduzindo a confiança dos usuários.

Dessa forma, o movimento da Febraban ocorre após operações policiais revelarem o envolvimento de facções criminosas em redes de lavagem via contas bancárias comuns.

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A Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, desarticulou em setembro um esquema bilionário ligado ao PCC, que usava postos de combustíveis para movimentar dinheiro sujo.

O caso acendeu o alerta dentro do setor: a sofisticação dos grupos criminosos tem superado a capacidade de rastreamento do sistema financeiro.

Por trás da decisão, há também uma disputa de poder entre bancos tradicionais e o novo ecossistema de fintechs. A digitalização acelerou a inclusão financeira, mas também abriu brechas.

Plataformas de crédito e carteiras digitais de pequeno porte, com estruturas de controle mais frágeis, tornaram-se alvo de criminosos. Ao endurecer regras, a Febraban tenta preservar a credibilidade do sistema bancário e reduzir a percepção de que o ambiente financeiro brasileiro se tornou vulnerável.

Economistas avaliam que o reforço das políticas de integridade é, antes de tudo, uma medida de política econômica. A circulação de recursos ilícitos e o crescimento do mercado de apostas irregulares distorcem indicadores de consumo, afetam arrecadação tributária e drenam liquidez para fora da economia formal.

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Segundo estimativas da Fazenda, o volume movimentado por plataformas não autorizadas pode chegar a R$ 15 bilhões por ano — valor que escapa à tributação e ao controle monetário.

Para o governo, a autorregulação é bem-vinda, mas insuficiente. O desafio é integrar bancos, fintechs e o próprio Estado em um mesmo sistema de rastreabilidade.

A Secretaria de Prêmios e Apostas corre contra o tempo para concluir a regulamentação do setor até o início de 2026, o que permitirá a legalização e tributação de empresas de apostas. Até lá, parte do mercado segue na fronteira entre legalidade e clandestinidade.

No fundo, o debate vai além das fraudes. Trata-se de definir o papel do sistema financeiro em uma economia digitalizada e desigual. Até porque a digitalização ampliou o acesso, mas também a vulnerabilidade dos consumidores. E o Estado, pressionado por cortes orçamentários e limites fiscais, tem delegado aos bancos responsabilidades de fiscalização que antes eram públicas.

A nova autorregulação marca uma tentativa de reequilibrar o jogo. Mas, para que o sistema seja realmente seguro e inclusivo, a política econômica precisa combinar tecnologia com regulação — e garantir que a bancarização digital não continue alimentando a economia clandestina que ela mesma tenta combater.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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