Brasília — O anúncio do senador Renan Calheiros (MDB-AL) de que o Senado deve alterar o projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil reacendeu a disputa política e fiscal entre o Congresso e o governo federal. Relator do PL 1.087/2025 e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Renan afirmou nesta terça-feira (21) que a Casa não endossará “inconstitucionalidades” incluídas pela Câmara e poderá desmembrar o texto, criando um projeto paralelo para as mudanças mais controversas.
A decisão representa um novo capítulo no embate entre o Palácio do Planalto, que pressiona pela aprovação da isenção ainda em 2025, e as prefeituras e governos estaduais, que alertam para a perda de arrecadação decorrente da medida.
Enquanto o Ministério da Fazenda defende a política como instrumento de justiça tributária, os representantes dos entes subnacionais cobram uma compensação financeira estável para evitar desequilíbrios orçamentários.
A proposta original, elaborada pela equipe do ministro Fernando Haddad, previa compensações por meio da tributação de lucros e dividendos e da taxação mínima sobre grandes rendas, acima de R$ 600 mil por ano.
A Câmara, porém, alterou pontos centrais do texto: ampliou deduções, isentou lucros distribuídos até o fim de 2025 e reduziu parte das medidas compensatórias. A mudança, segundo técnicos do Senado, compromete o equilíbrio fiscal do projeto.
Durante audiência pública da CAE, Renan declarou que o Senado “não fechará os olhos” para dispositivos que possam violar a Constituição ou reduzir a base de arrecadação de estados e municípios.
O senador indicou que pode promover um desmembramento, separando as partes consideradas irregulares para análise posterior, sem atrasar a sanção da faixa de isenção de até R$ 5 mil.
Governadores e prefeitos presentes ao debate argumentaram que as mudanças da Câmara desequilibram a repartição de receitas. O consultor da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Caliendo, estimou que as prefeituras podem perder até R$ 1 bilhão por ano com a ampliação da isenção.
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Representando a Frente Nacional de Prefeitos, Sebastião Melo, de Porto Alegre, afirmou que “nenhum gestor é contra uma medida que alivia o bolso da população, mas é preciso garantir que um ente não retire receita do outro”.
O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Comsefaz) também manifestou preocupação. Segundo o diretor André Horta Melo, “as alterações da Câmara reduzem a previsibilidade fiscal e aumentam o risco de perda para estados e municípios”. Ele destacou que o texto original do Executivo evitava esse problema ao centralizar o controle da compensação na União.
O governo tenta preservar o cronograma político do projeto, considerado prioritário pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A equipe econômica avalia que a ampliação da faixa de isenção cumpre promessa de campanha e corrige uma distorção inflacionária que penalizava os trabalhadores formais.
Para a Fazenda, o impacto fiscal será compensado com o aumento da arrecadação sobre rendas de capital, embora o cálculo dependa da versão final aprovada pelo Senado.

Internamente, parlamentares da base veem na postura de Renan uma tentativa de reafirmar o protagonismo do Senado em temas econômicos, após uma tramitação considerada acelerada na Câmara sob comando do deputado Arthur Lira (PP-AL).
Ao defender o direito de emendar o texto, Renan recuperou um argumento político antigo: o de que cabe ao Senado revisar “a constitucionalidade das matérias de impacto nacional”, papel que se enfraqueceu durante o ciclo recente de reformas tributárias.
A discussão revela mais do que divergência técnica. Ela expõe a tensão estrutural entre o discurso da justiça fiscal e os limites do pacto federativo. O equilíbrio entre desoneração e compensação virou um campo de disputa entre Executivo, Legislativo e governos locais.
No centro desse tabuleiro, o Senado tenta reconstruir o papel de mediador, revisando as contas e testando até onde a política de alívio tributário cabe dentro do Orçamento público.










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