Depois de quase uma década de políticas fiscais restritivas, o Estado brasileiro voltou a ocupar posição estratégica na economia. O investimento público cresceu de forma consistente nos últimos anos, impulsionado pelo Novo PAC, pela retomada de programas de crédito produtivo e pelo papel reativado de bancos estatais como o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
A mudança marca uma inflexão: o investimento, que havia despencado na segunda metade da década passada, ganhou espaço no orçamento federal. Mais do que números, essa virada expressa uma nova compreensão sobre o papel do Estado — não como competidor do setor privado, mas como coordenador do desenvolvimento.
Da contenção fiscal à perda de capacidade de investimento
O retrocesso do investimento público começou após a crise de 2015, quando o ajuste fiscal e o teto de gastos reduziram o espaço orçamentário para obras e políticas de crédito. A União, estados e municípios perderam margem para planejar projetos estruturantes, e a infraestrutura física e social entrou em deterioração.
Rodovias ficaram inacabadas, programas de saneamento foram paralisados e iniciativas de inovação e pesquisa perderam fôlego. A produtividade, medida pelo Ipea, recuou por vários anos consecutivos, refletindo o enfraquecimento do investimento público e privado.
O impacto foi mais amplo que fiscal. O desmonte de instrumentos de planejamento — como o PPA e os fundos setoriais — reduziu a capacidade do Estado de coordenar o investimento privado.
Empresas passaram a investir menos, diante da ausência de sinalização de longo prazo. A austeridade mostrou-se ineficaz até mesmo para conter a dívida, que continuou crescendo enquanto a economia permanecia estagnada.
O Estado como motor da transição produtiva
A inflexão começou a se desenhar em 2023, com o lançamento do Plano de Transformação Ecológica e a retomada do Novo PAC, que prevê R$ 1,7 trilhão em investimentos públicos e privados até 2026.
Em 2025, essa agenda se consolidou: o BNDES voltou a financiar projetos de infraestrutura e inovação, o Banco do Brasil ampliou sua carteira verde e a Caixa reforçou o crédito habitacional e o saneamento básico.
Segundo o Ministério da Fazenda, a lógica atual é estratégica: usar o investimento público para induzir o privado e coordenar a transição produtiva.

O secretário-executivo adjunto da pasta, Rafael Dubeux, define a abordagem como “desenvolvimentismo climático”, em que obras, crédito e regulação formam um mesmo eixo de política industrial verde.
A atuação dos bancos públicos simboliza essa nova fase. O BNDES retomou linhas de longo prazo voltadas à energia, transporte e inovação, o Banco do Brasil já mobilizou mais de R$ 75 bilhões em projetos sustentáveis pelo programa Eco Invest Brasil, e a Caixa reativou programas de habitação social e saneamento com foco na inclusão regional.
Esse redesenho devolve às instituições estatais o papel de catalisadoras do investimento privado — um modelo de coordenação pública semelhante ao que países europeus e asiáticos vêm adotando.
No centro dessa estratégia está a ideia de que a transição ecológica também é uma política industrial: o crédito público atua como primeiro impulso para setores de energia limpa, mobilidade e reindustrialização digital.
O efeito multiplicador do investimento estatal
Estudos do Ipea e da Cepal indicam que o investimento público tem alto efeito multiplicador sobre o PIB e o emprego.
Essa constatação explica porque o governo aposta em obras e crédito como motores de crescimento, especialmente após o hiato de demanda da última década.
A recomposição do investimento já se reflete no mercado de trabalho. Dados do Caged mostram que, em 2025, o país voltou a registrar forte criação de postos formais, com destaque para a construção civil e setores ligados à infraestrutura.
O Ipea estima que o investimento estatal é particularmente eficaz na geração de vagas de baixa e média renda, por estimular atividades intensivas em mão de obra.
Além de gerar crescimento, o investimento público cumpre papel estabilizador: em períodos de retração do crédito privado, o gasto estatal sustenta a demanda agregada e impede recessões mais profundas.
Essa lógica keynesiana, aplicada com sucesso nos anos 2000, volta ao centro do debate. O economista Paulo Gala, da FGV, resume:
“O Estado não substitui o mercado; ele o organiza. A função do investimento público é criar o ambiente para o privado investir com segurança”.
Sustentabilidade fiscal e novo consenso produtivo
O retorno do investimento público reacende o debate sobre responsabilidade fiscal e qualidade do gasto. A nova regra fiscal, aprovada em 2024, limita o crescimento real das despesas e exige que a expansão do investimento venha acompanhada de aumento de receita e eficiência orçamentária.
O desafio está em conciliar sustentabilidade da dívida com capacidade de execução. Muitos projetos ainda enfrentam entraves burocráticos, e a capacidade técnica de estados e municípios continua desigual. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconhece que a transição produtiva exige coordenação interinstitucional e planejamento de longo prazo.
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No cenário internacional, o Brasil se alinha à tendência de neoindustrialização verde, na qual políticas climáticas, crédito público e inovação tecnológica se integram.
Grandes economias também vêm usando o investimento estatal como motor da transformação produtiva — dos subsídios americanos da Inflation Reduction Act ao plano europeu Green Deal.
No caso brasileiro, o investimento público é também uma política social: atua onde o capital privado não chega, reduz desigualdades regionais e estimula o emprego.
Se bem coordenada, essa nova fase pode consolidar um modelo de desenvolvimento, no qual Estado e mercado voltam a ser parceiros na reconstrução da economia real.
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