Crescimento brasileiro

O avanço de 25% no número de brasileiros que têm nos aplicativos sua principal fonte de renda mostra que o crescimento recente do emprego no país ocorre cada vez mais pelo lado informal da economia. Segundo o IBGE, 1,7 milhão de pessoas trabalham por plataformas digitais — um contingente que ganha mais por mês, mas com jornadas mais longas, contribuição previdenciária reduzida e produtividade em queda.

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Os dados fazem parte do módulo sobre trabalho em plataformas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. O levantamento mostra que, entre 2022 e 2024, o número de trabalhadores que dependem diretamente de aplicativos saltou de 1,3 milhão para 1,7 milhão, alta de 25,4%. No mesmo período, a participação desses trabalhadores na população ocupada passou de 1,5% para 1,9%.

Por trás do crescimento está um conjunto de transformações silenciosas no mercado de trabalho. Enquanto os vínculos formais se mantêm praticamente estáveis, as plataformas digitais se consolidam como alternativa de sobrevivência em meio à estagnação dos empregos tradicionais.

A informalidade, que atinge 44,3% da população ocupada, chega a 71% entre os chamados “plataformizados”. Quase nove em cada dez trabalham por conta própria, sem contribuição previdenciária ou acesso à rede de proteção social.

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A renda média mensal desses trabalhadores é de R$ 2.996, 4,2% acima da dos ocupados fora das plataformas. O dado, no entanto, mascara um problema estrutural: jornadas mais longas e rendimento por hora menor.

Enquanto os demais brasileiros trabalham, em média, 39,3 horas semanais, os plataformizados chegam a 44,8 horas. O ganho por hora cai para R$ 15,40 — valor 8% inferior ao dos trabalhadores tradicionais.

O padrão se repete nos grupos específicos de motoristas e entregadores. Motoristas de aplicativo recebem, em média, R$ 2.766 por mês, mas dirigem cinco horas a mais por semana que os motoristas formais.

No caso dos motociclistas, o rendimento é de R$ 2.119, com jornada semanal de 45 horas. Em ambos os casos, a contribuição previdenciária não chega a um terço dos trabalhadores.

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Esse movimento revela um paradoxo: a economia cria renda, mas não emprego. A expansão das plataformas eleva o número de pessoas ocupadas, mas concentra o crescimento em atividades de baixa produtividade e alto grau de informalidade. 

Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cada ponto percentual de aumento da informalidade no mercado de trabalho reduz em 0,3 ponto o crescimento potencial do PIB.

O impacto também é fiscal. Ao atuar fora da estrutura formal, o trabalho por aplicativo contribui menos para a previdência e para a arrecadação tributária.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, em países de renda média, o avanço do trabalho digital sem regulação pode retirar até 1% da receita previdenciária anual. 

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O economista Joseph Stiglitz, ex-chefe do Banco Mundial e prêmio Nobel de Economia, tem afirmado em diversos fóruns que o modelo da economia de plataformas transfere o risco do capital para o trabalhador e pressiona a base fiscal dos países.

Segundo ele, a flexibilidade proporcionada pela tecnologia tende a gerar sistemas produtivos mais voláteis, o que fragiliza tanto a arrecadação quanto a estabilidade de renda.

No Brasil, o fenômeno se manifesta de forma desigual. O Sudeste concentra mais da metade dos trabalhadores de aplicativo, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro. O perfil médio é masculino (84%), com ensino médio completo e idade entre 25 e 39 anos.

Em regiões onde o emprego formal é mais escasso, como o Nordeste, as plataformas funcionam como uma espécie de colchão social, mas sem o efeito multiplicador do emprego com carteira.

A tendência é semelhante à observada em outras economias latino-americanas. No Chile, o percentual de trabalhadores por aplicativo ainda está em 1,2% da população ocupada, mas cresce a uma taxa anual de 20%.

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No México, o governo aprovou um modelo de contribuição simplificada, em que as próprias plataformas recolhem parte dos encargos sociais, reduzindo o impacto sobre a previdência. O Brasil, por enquanto, não tem regulação semelhante.

O debate chegou ao Supremo Tribunal Federal. Ministros devem retomar, em novembro, o julgamento que definirá se motoristas e entregadores têm ou não vínculo empregatício com as empresas de aplicativo.

A Procuradoria-Geral da República já se manifestou contra o reconhecimento automático do vínculo, argumentando que ele poderia inviabilizar o modelo de negócios. Para sindicatos e juristas, porém, o tema não é apenas trabalhista, mas fiscal: o país precisa decidir como tributar e regular um setor que movimenta bilhões sem arrecadar proporcionalmente.

A economista Mariana Ribeiro, pesquisadora do Ipea, avalia que o crescimento dos aplicativos “reflete um mercado de trabalho que se moderniza tecnologicamente, mas retrocede institucionalmente”.

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Ela explica que o aumento da renda mensal é enganoso, porque está sustentado em jornadas maiores e ausência de encargos. “Há mais dinheiro circulando, mas menos contribuição social. Isso significa que a economia cresce pelo lado frágil.”

O cenário reforça um dilema clássico da economia brasileira: a expansão do trabalho informal como motor conjuntural de crescimento.

Em 2024, segundo o IBGE, o número total de pessoas ocupadas voltou a crescer, mas a formalização caiu. O país tem mais trabalhadores, mas menos empregos reconhecidos — e a produtividade média do trabalho segue estagnada.

No curto prazo, o avanço das plataformas gera alívio estatístico, reduzindo o desemprego e ampliando o consumo das famílias. No longo prazo, contudo, o efeito é fiscal e macroeconômico.

A arrecadação menor limita a capacidade de investimento público, enquanto a ausência de contribuição previdenciária pressiona as contas sociais. Para o FMI, que acompanha tendências de mercado de trabalho global, a plataformização do emprego é um dos fatores que explicam a desaceleração estrutural das economias emergentes.

Ao cruzar tecnologia, informalidade e renda, o Brasil inaugura um tipo de crescimento que se move fora das estatísticas clássicas: mais ocupação, menos estabilidade, mais ganhos individuais, menos sustentabilidade coletiva.

A economia digital avança, mas com as mesmas fragilidades históricas da economia real. No papel, o emprego cresce; na prática, o país apenas formaliza a informalidade.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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