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Depois de uma década marcada por choques sucessivos — pandemia, inflação, crise climática e instabilidade política —, a América Latina voltou a crescer. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a região deverá encerrar 2025 com expansão de 2% e o menor índice de pobreza desde 2019. A recuperação, no entanto, revela um paradoxo: a pobreza diminui, mas a desigualdade continua praticamente inalterada.

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De acordo com o novo Índice de Pobreza Multidimensional para a América Latina (IPM-AL), desenvolvido pela CEPAL e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 25,4% da população enfrenta privações severas em áreas como habitação, saúde, educação e emprego.

Embora o percentual seja menor que o de 2021, a melhora é desigual e se concentra em países com programas sociais consolidados, como Brasil, Chile e Uruguai. Em partes da América Central e dos Andes, a taxa de pobreza multidimensional ultrapassa 50%.

Os números mostram que a região conseguiu recuperar o emprego formal perdido durante a pandemia, mas a qualidade desse emprego segue em queda. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 70% dos postos criados desde 2022 estão na informalidade — trabalhos sem contrato, sem previdência e sem proteção trabalhista.

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“Nem a quantidade nem a qualidade dos empregos que esta região necessita estão sendo criadas. O panorama laboral é complexo e apresenta desafios de grande magnitude”, afirmou Vinícius Pinheiro, diretor da OIT para a América Latina e Caribe.

A taxa de desemprego regional caiu para 6,1% em 2024, segundo o relatório Panorama Laboral da OIT. No entanto, o avanço é sustentado por ocupações precárias, com baixa remuneração e instabilidade.

A economista Roxana Maurizio, do Escritório Regional da OIT, alerta que “a recuperação do emprego não se traduziu em melhores condições de vida, pois a informalidade continua sendo o principal mecanismo de absorção de mão de obra”. Em média, quase metade da população ocupada na América Latina trabalha fora do sistema formal.

O novo ciclo de crescimento regional é impulsionado por exportações de commodities, reindustrialização parcial e aumento do consumo interno, mas não produz redistribuição significativa.

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional apontam que a América Latina tem hoje uma das maiores cargas tributárias sobre o consumo e uma das menores sobre a renda e o patrimônio, o que perpetua a concentração de riqueza.

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O coeficiente de Gini médio da região é de 0,465, praticamente o mesmo de 2010. Isso significa que a desigualdade permanece estrutural, mesmo em períodos de bonança econômica.

O impacto é visível no cotidiano. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) calcula que o preço dos alimentos subiu 40% entre 2020 e 2025. Mesmo com inflação sob controle em países como Chile e Brasil, o custo de vida aumentou mais para as famílias de baixa renda. Aluguel, transporte e energia também subiram acima da média regional.

“A pobreza está caindo, mas o sentimento de insegurança econômica é mais alto do que nunca”, observa Carlos Blanco, pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade do Chile. “É uma recuperação sem sensação de melhora.”

Os dados da OIT indicam que 42% dos lares latino-americanos dependem integralmente de rendas informais, como trabalho doméstico, entregas por aplicativos e pequenos serviços. Essa “nova informalidade digital” cresce rápido e mascara a precarização estrutural.

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No Brasil e no México, a parcela de trabalhadores autônomos ligados a plataformas digitais dobrou em três anos. A economista colombiana Julieta Paredes define o fenômeno como “modernização sem proteção”: mais oportunidades de renda, porém menos segurança social.

Apesar da redução da pobreza e da retomada do emprego, os indicadores sociais continuam frágeis. A desigualdade de gênero permanece acentuada: mulheres representam 60% dos trabalhadores informais e recebem, em média, 20% menos que os homens em funções equivalentes.

A OIT também registra aumento da subocupação entre jovens — metade deles trabalha em tempo parcial ou em atividades que não exigem qualificação. Segundo a CEPAL, esse quadro compromete o potencial de produtividade da região no médio prazo.

A melhora dos indicadores regionais também depende da estabilidade fiscal e da capacidade dos governos em sustentar programas sociais. Países como Brasil, Colômbia e México ampliaram o gasto público em transferência de renda e habitação, mas a pressão orçamentária limita a continuidade das políticas.

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“Sem reforma tributária progressiva e combate à evasão, a América Latina continuará a crescer de forma desigual”, disse Alicia Bárcena, ex-secretária-executiva da CEPAL e atual chanceler do México. Para ela, “a pobreza pode cair, mas a vulnerabilidade ainda é o traço dominante do nosso modelo econômico”.

Com crescimento lento e políticas fiscais restritivas, o risco é a região voltar ao padrão de ciclos curtos: expansão com emprego precário e queda da renda real.

Em entrevista à Reuters, o economista Jorge Restrepo, da Universidade Javeriana da Colômbia, resumiu: “A América Latina saiu da crise sanitária, mas não saiu da crise social. Os números melhoram, mas o medo de voltar à pobreza continua”.

A trajetória recente mostra que o continente é capaz de reduzir indicadores de pobreza, mas ainda não encontrou o caminho para uma prosperidade compartilhada. O crescimento existe — o problema é quem dele se beneficia.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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