Erradicar a pobreza

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, celebrado nesta sexta-feira (17) pela ONU, reacende uma pauta que parece nunca sair do papel. Em mensagem oficial, o secretário-geral António Guterres pediu solidariedade global e instituições que “cuidem, e não punam” famílias vulneráveis. O apelo chega em um cenário em que, segundo o Banco Mundial, 808 milhões de pessoas ainda vivem em pobreza extrema — e a desigualdade segue crescendo mesmo com a economia mundial em expansão.

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A estabilidade desses números revela uma contradição de época: a pobreza extrema praticamente não diminui desde 2015, apesar do salto tecnológico e do aumento da riqueza global. O próprio Banco Mundial elevou recentemente a linha de pobreza para US$ 3 por dia, ajustando o cálculo à nova paridade de poder de compra.

O resultado foi uma revisão que mostrou mais gente vivendo na pobreza — e não menos. O dado expõe o que os economistas já chamam de “pobreza de crescimento”: o mundo avança em produtividade e inovação, mas falha em transformar esse avanço em bem-estar.

A proporção de pessoas vivendo com menos de US$ 3 por dia caiu apenas de 10,5% em 2022 para 9,9% em 2025. Na prática, significa que o planeta ainda convive com quase um bilhão de pessoas sem renda suficiente para cobrir necessidades básicas.

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A ONU alerta que, nesse ritmo, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 1 — erradicar a pobreza até 2030 — não será cumprido. A previsão mais otimista é de que cerca de 600 milhões de pessoas ainda estarão em pobreza extrema no fim da década.

A pobreza global se tornou mais resistente por três razões principais: choques econômicos sucessivos, crise climática e desigualdade estrutural. O impacto da pandemia, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio e a inflação de alimentos empurraram milhões para a vulnerabilidade.

A cada crise, o mundo volta anos no combate à miséria. Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas atingem sobretudo os países mais pobres, onde a agricultura de subsistência e a falta de infraestrutura tornam populações inteiras dependentes da ajuda humanitária.

A África Subsaariana concentra quase metade da pobreza extrema do planeta, com 45,5% da população abaixo da linha de US$ 3 por dia. Em seguida vêm o Sul da Ásia e partes da América Latina, onde o desemprego e a informalidade ainda corroem o poder de compra.

Erradicar a pobreza

O crescimento da economia global pós-pandemia beneficiou majoritariamente o topo da pirâmide: segundo a Oxfam, o 1% mais rico ficou com dois terços da nova riqueza gerada desde 2020. O contraste é brutal: o aumento do número de bilionários coincidiu com a redução do orçamento social em dezenas de países.

Mulheres e crianças continuam sendo os rostos mais visíveis da desigualdade. Uma em cada seis crianças vive em pobreza extrema, e 60% dos pobres do mundo são mulheres, de acordo com a ONU Mulheres.

O déficit de creches, a informalidade e a desigual divisão do trabalho doméstico perpetuam a exclusão feminina. E quando crises fiscais levam à redução de programas sociais, são as mães, viúvas e cuidadoras as primeiras a perder proteção.

Para Guterres, a pobreza é resultado de “um fracasso sistêmico, e não moral”. A declaração reflete um debate mais profundo sobre o papel do Estado e do sistema financeiro global. Sem reforma tributária progressiva e sem taxação de grandes fortunas, a concentração de renda tende a se agravar.

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A ONU e o FMI vêm pressionando por uma nova arquitetura fiscal internacional, capaz de financiar políticas sociais e adaptar economias à transição climática. Mas, até aqui, o avanço é tímido.

O gasto militar global, por exemplo, ultrapassou US$ 2,4 trilhões em 2024 — valor cinco vezes superior ao investimento mundial em combate à pobreza.

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza serve, portanto, menos como comemoração e mais como lembrete do fracasso coletivo.

O mundo moderno aprendeu a medir a pobreza, mas não a superá-la. E enquanto a economia global bate recordes de produção e consumo, quase um bilhão de pessoas ainda acordam todos os dias sem saber se terão o que comer — a estatística mais persistente da humanidade.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista com foco em economia e sociedade, dedica-se a investigar como decisões econômicas, políticas e sociais se entrelaçam na construção de um Estado de bem-estar social no Brasil.

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