O Brasil foi premiado nesta quinta-feira (10) pela Parceria para Governo Aberto (OGP), em cerimônia na Espanha, por suas políticas de fortalecimento da participação social. O reconhecimento, entregue ao secretário nacional Renato Simões, marca o retorno do país à agenda global de governo aberto, mas especialistas apontam que o desafio real é transformar a escuta popular em decisões efetivas.
O país recebeu dois prêmios, nas categorias “Américas” e “Participação Social”, pelo conjunto de ações coordenadas pela Secretaria-Geral da Presidência da República desde de 2023.
As ações incluem a retomada de conselhos, fóruns e conferências nacionais e a criação da plataforma digital Brasil Participativo, utilizada na elaboração do Plano Plurianual (PPA) 2024–2027.
Segundo a OGP, o Brasil foi premiado por “reconstruir uma política de participação social em larga escala, combinando engajamento presencial e digital em políticas públicas de alcance nacional”.
Em nota oficial, a Secretaria-Geral afirmou que o prêmio simboliza “o compromisso do país com a reconstrução da democracia participativa e o fortalecimento da cidadania ativa”.
Durante o evento, Renato Simões destacou que “o processo participativo promove oportunidades, desafios e práticas inovadoras que fortalecem a participação social no direcionamento dos recursos públicos e na tomada de decisões dos governos”.
O reconhecimento consolida a volta do país à OGP, da qual foi membro fundador em 2011 e se distanciou entre 2017 e 2022, quando diversos conselhos e mecanismos de consulta pública foram esvaziados ou extintos.
Desde o início de 2023, o governo federal procurou reverter o quadro e reativou mais de 40 instâncias de diálogo, realizando 30 conferências nacionais, envolvendo milhares de delegados e representantes da sociedade civil.
O Plano Plurianual participativo recebeu 8.254 propostas de cidadãos de todo o país, das quais 76% foram consideradas total ou parcialmente incorporadas, segundo balanço da Secretaria-Geral.

Pesquisadores reconhecem que o país avançou no esforço institucional de reabrir os canais de escuta, mas apontam limitações.
Um estudo conduzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) conclui que o PPA participativo “reabriu a possibilidade de diálogo entre governo e sociedade civil, mas ainda enfrenta desafios de representatividade e de devolutiva aos participantes”.
O relatório observa que, embora a digitalização tenha ampliado o alcance, a desigualdade de acesso à internet reduz a participação de grupos mais vulneráveis.
“A participação digital é um passo importante, mas ela não substitui a presença territorial e o acompanhamento das políticas públicas”, afirmou o pesquisador Luiz Fernando Martins, da UFMG, um dos autores do estudo.
Outro ponto levantado por pesquisadores é a falta de etapas deliberativas, nas quais a sociedade possa discutir e votar propostas antes de sua incorporação final.
O relatório da ENAP destaca que “a mobilização digital foi ampla, mas a ausência de mecanismos de deliberação pública limita o caráter transformador do processo participativo”.
Essa análise converge com observações da Transparência Internacional Brasil, que, em seu relatório de 2024, elogiou o retorno da agenda participativa, mas ressaltou a necessidade de “instituir rotinas de avaliação e transparência sobre a execução das propostas incorporadas”.
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Na avaliação de cientistas políticos, o prêmio representa um avanço concreto na reconstrução da confiança institucional, mas não resolve o problema histórico de baixa conversão entre participação e decisão.
Para o professor Leonardo Avritzer, referência nacional em estudos sobre democracia participativa, “o Brasil vive uma retomada importante, mas o desafio é tornar a escuta social um componente efetivo da política pública, e não apenas um símbolo democrático”.
Avritzer coordena o Observatório da Qualidade da Democracia da UFMG e acompanha há mais de duas décadas os mecanismos de consulta popular no país.
O governo reconhece os desafios. Em entrevista coletiva, o ministro da Secretaria-Geral, Márcio Macêdo, afirmou que “reconstruir a participação social exige tempo e persistência, mas o Brasil voltou a dialogar com o povo e com o mundo”.
Ele destacou que a nova política busca equilibrar ferramentas digitais e instâncias presenciais, para garantir que o cidadão tenha voz independentemente de sua condição social ou local de origem.
O prêmio recebido na Espanha coloca o Brasil novamente no centro das discussões internacionais sobre governo aberto e transparência, mas também amplia a responsabilidade de provar que a nova estrutura de participação tem efeitos práticos.
O próximo relatório da OGP, previsto para 2026, avaliará o cumprimento dos compromissos assumidos pelo país, incluindo a incorporação efetiva das propostas do PPA e a continuidade das conferências nacionais.
Os avanços conquistados nos últimos dois anos apontam um caminho de reconstrução democrática, mas as lacunas permanecem.
Nesse contexto, a democracia participativa brasileira voltou a ter voz, mas ainda precisa garantir que essa voz seja ouvida — e que o que for ouvido se transforme em ação.