Banco da Itália

Milão — O presidente do Banco da Itália, Fabio Panetta, afirmou nesta quarta-feira (8), em Roma, que a comunidade internacional precisa adotar “medidas inovadoras e urgentes” para aliviar o fardo da dívida dos países mais pobres, alertando que a inação “pode deixar 1,8 bilhão de pessoas para trás” e comprometer a estabilidade global durante conferência com credores e organismos multilaterais.

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Panetta propôs o uso de trocas de dívida por desenvolvimento — instrumentos que convertem parte do serviço da dívida em investimentos em educação, saúde e políticas climáticas.

Ele ainda defendeu cláusulas que permitam a suspensão automática de pagamentos em casos de choque climático ou desastre natural.

Segundo Panetta, a Itália tem proposto liberar recursos oriundos de dívidas bilaterais renegociadas para reinvestimento em programas locais.

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“A falta de ação deixará 1,8 bilhão de pessoas para trás, com consequências para a estabilidade e a justiça global”, disse Panetta em Roma, resumindo o tom de urgência de seu discurso.

O apelo de Panetta encontra respaldo técnico parcial em relatórios recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), que reconhecem avanços em reestruturações por meio de títulos com cláusulas de ação coletiva (CACs) — instrumentos que facilitaram acordos em casos como Suriname e Gana —, mas também alertam para lacunas.

Segundo o relatório “IMF Highlights Advances, Complexities in Sovereign Debt Restructuring”, publicado pelo FMI em 7 de outubro de 2025, empréstimos colateralizados e dívidas bilaterais continuam sendo gargalos que prolongam os processos de renegociação, cujo tempo médio já ultrapassa 2,5 anos.

Banco da Itália

A consultora Tess Woolfenden, da organização Debt Justice, apresentou uma visão crítica sobre o alcance dos swaps. No relatório publicado em 29 de maio de 2025, que calculou a redução média de cerca de 3% do estoque total da dívida nos países que adotam esse tipo de operação, ela afirmou:

“Os swaps de dívida têm sido apresentados como soluções inovadoras para o meio ambiente e o endividamento, mas geram apenas uma redução mínima e levantam sérias preocupações”.

Relatos técnicos do Banco Mundial reforçam a pressão fiscal enfrentada por países de baixa e média renda.

O International Debt Report 2024 registra que o serviço da dívida externa atingiu níveis elevados, comprimindo receitas disponíveis para gastos sociais e investimentos públicos, o que reduz margem de manobra para políticas anticíclicas e sociais.

Indermit Gill, economista-chefe do Banco Mundial, já declarou publicamente que a carga da dívida compromete investimentos em saúde e educação nas nações mais vulneráveis.

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Na mesma linha, a economista Carmen Reinhart, ex-economista-chefe do Banco Mundial e professora da Universidade de Harvard, também defende que qualquer solução precisa combinar diferentes instrumentos.

Para ela, “a fragmentação entre credores é o principal obstáculo às reestruturações de dívida, e apenas mecanismos que garantam previsibilidade e participação proporcional podem evitar que países em crise suportem sozinhos o custo do atraso.”

No plano prático, as negociações esbarram em limitações políticas e jurídicas. Credores oficiais e privados divergem sobre quem deve arcar com as perdas e quais países são elegíveis para renegociar. Além disso, muitos contratos incluem empréstimos garantidos por ativos, que criam prioridade legal de pagamento e dificultam reduções mais amplas.

A falta de um mecanismo multilateral vinculante — capaz de reunir todos os credores sob as mesmas regras — mantém o processo dentro de uma lógica voluntária e fragmentada, o que retarda decisões e amplia custos sociais.

Por isso, mesmo instrumentos considerados úteis, como os swaps de dívida, raramente bastam quando a solvência do país já está comprometida.

Panetta admitiu esse limite em Roma, ao dizer que os swaps deveriam funcionar como “ponte” e não como substituto de reestruturações profundas quando necessário. Ele pediu que as negociações no âmbito do G20 e do FMI avancem para oferecer instrumentos híbridos que combinem alívio do estoque de dívida com investimentos sociais.

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O tema será debatido nas próximas semanas nas principais instâncias multilaterais. O FMI informou que a reestruturação da dívida soberana e a coordenação entre credores estarão entre os tópicos centrais das Reuniões Anuais do FMI e do Banco Mundial, agendadas para os dias 13 a 18 de Outubro em Washington.

O encontro será o primeiro desde que o FMI e o Banco Mundial passaram a reconhecer formalmente os limites do atual sistema de reestruturação. Nos bastidores, cresce a expectativa de que o debate avance para um modelo mais previsível, com regras multilaterais claras e maior envolvimento dos credores privados.

Para Panetta, o resultado dessas negociações será um teste de credibilidade para o sistema financeiro internacional.

“A estabilidade global depende da capacidade de agir com responsabilidade compartilhada”, afirmou o presidente do Banco da Itália, encerrando seu discurso sob aplausos discretos, mas atentos.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e redator especializado em economia, finanças e investimentos. É Administrador de Empresas com MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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