Embate fiscal

Brasília — O governo de Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao centro de um impasse fiscal após o Tribunal de Contas da União (TCU) cobrar que a equipe econômica não se limite ao piso da meta fiscal estabelecida pelo arcabouço. A corte advertiu, em sessão no fim de setembro, que a prática pode contrariar o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e pediu explicações formais ao Ministério da Fazenda.

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O alerta reacendeu a disputa em Brasília sobre o déficit primário zero prometido para 2025. O ministro Fernando Haddad afirmou nesta semana que a decisão do TCU é uma “formalidade”, e garantiu que o governo busca o centro da meta, ainda que reconheça dificuldades no fechamento do orçamento.

“A decisão do TCU é uma formalidade; o governo busca o centro da meta e trabalha com responsabilidade”, declarou Haddad, em entrevista ao R7, ao ser questionado sobre o parecer do tribunal.

De acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), o governo deverá registrar em 2025 um déficit primário de R$ 64,2 bilhões, equivalente a 0,4% do PIB, mas ainda dentro da banda de tolerância permitida pela regra. Para 2026, a IFI projeta um rombo de até R$ 128 bilhões (0,95% do PIB), cenário que indica perda de fôlego da política fiscal.

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“A meta pode até ser formalmente cumprida, mas o país não caminha para um resultado estruturalmente sustentável”, afirmou Felipe Salto, economista e ex-secretário da Fazenda de SP, em entrevista à Infomoney. “Sem reformas, o equilíbrio é contábil, não real.”

TCU endurece o tom

No voto que originou o alerta, o ministro Walton Alencar Rodrigues afirmou que perseguir apenas o limite inferior da banda — o piso da meta — “esvazia o propósito da regra fiscal e pode induzir a maquiagem das contas públicas”.

O tribunal também recomendou que a Fazenda revise o critério de contingenciamento, que até agora tem usado o limite mínimo como parâmetro.

Em nota, o Ministério respondeu que a metodologia está em conformidade com o arcabouço aprovado pelo Congresso, e que o objetivo “é garantir previsibilidade sem paralisar o investimento público”.

A crítica do TCU encontrou eco entre economistas que participaram da formulação da LRF. Selene Peres Nunes, uma das autoras da lei, avaliou ao Correio Braziliense que “a banda de tolerância virou um atalho para o afrouxamento”.

“A meta fiscal não pode ser transformada em uma meta elástica. A banda é um instrumento de gestão, não uma licença para errar”, disse.

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O debate também divide especialistas sobre os efeitos de manter o discurso do déficit zero em meio a um cenário de desaceleração econômica.

Embate fiscal

Para Simão Davi Silber, professor da USP, “o arcabouço nasceu politicamente equilibrado, mas perdeu potência porque o governo não quer reduzir gastos obrigatórios”. Segundo ele, insistir no centro da meta “sem base de corte real” pode levar a bloqueios de investimento que travam o crescimento.

“A meta é legítima, o problema é o instrumento. Não há margem para o ajuste vir do lado das despesas obrigatórias, então o investimento vira a variável de ajuste”, afirmou.

Já a economista Zeina Latif discorda. Em entrevista à CNN Brasil em setembro, ela afirmou que a perda de confiança fiscal é mais danosa do que o aperto orçamentário.

“A incerteza fiscal é corrosiva. Não adianta manter gasto alto e contar com sorte na arrecadação. Isso mina a credibilidade da regra e o próprio crescimento.”

Na mesma linha, o ex-secretário de Política Econômica Mansueto Almeida reforçou que “cumprir a meta apenas com receitas extraordinárias e precatórios não é sustentável”.

“Sem revisão de gastos obrigatórios, a dívida seguirá crescendo, e o mercado vai precificar isso”, disse ao Valor Econômico em agosto.

Arcabouço sob teste

A IFI calcula que, mesmo com o déficit contido em 2025, a dívida bruta do governo geral pode alcançar 77,5% do PIB, ante 76,4% no fim de 2024. A instituição considera que o país precisaria gerar superávits primários de 1% do PIB de forma recorrente para estabilizar a trajetória da dívida.

“Cumprir o déficit zero uma vez é fácil; o desafio é transformar em trajetória de superávits”, afirma Bráulio Borges, economista da FGV Ibre.

Dentro do governo, a estratégia é manter o discurso de austeridade sem endurecer a ponto de travar o investimento.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, reconheceu em audiência no Senado que 2026 será “um ano desafiador”, e que o orçamento precisará ser “reavaliado conforme o cenário fiscal”.

Nos bastidores, assessores da Fazenda admitem que a prioridade é preservar credibilidade política, não apenas contábil. “Se o TCU forçar o centro, podemos perder o investimento público. Se não houver disciplina, perdemos o mercado”, resumiu um técnico da equipe econômica sob reserva.

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Um teste de credibilidade

O embate entre governo e TCU expõe um ponto crucial: a credibilidade da regra fiscal ainda depende mais da confiança dos agentes do que da letra da lei.

Para o mercado, cumprir a meta “no limite” soa como gestão de risco político; para o governo, mirar o centro pode significar impor recessão.

A equação que Brasília precisa resolver em 2025, na visão dos analistas ouvidos pela reportagem, é simples — mas não fácil: ou ajusta o gasto com reformas, ou seguirá equilibrando o arcabouço no fio da navalha.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e redator especializado em economia, finanças e investimentos. É Administrador de Empresas com MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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