EUA
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O governo dos Estados Unidos iniciou nesta quarta-feira (1º) uma nova paralisação após o fracasso das negociações no Congresso sobre o orçamento federal. O impasse, marcado por forte polarização entre republicanos e democratas, interrompe serviços públicos, adia a divulgação de dados econômicos cruciais e lança dúvidas sobre a capacidade da maior economia do mundo de administrar sua própria estabilidade fiscal, gerando reflexos imediatos em mercados e governos ao redor do globo.

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Impactos imediatos e o efeito dominó nos mercados globais

A paralisação não é um evento inédito na história americana, mas desta vez acontece em um contexto de dívida recorde de US$ 37,5 trilhões e de crescente desconfiança sobre a solidez das instituições políticas em Washington. A suspensão de relatórios-chave, como o indicador de emprego de setembro, retira do radar de bancos centrais e empresas dados essenciais para calibrar decisões. Essa ausência de informação gera incerteza, combustível para volatilidade em bolsas de valores e moedas em diversas partes do mundo.

Enquanto parte dos serviços essenciais continua funcionando, a realidade é que cerca de 750 mil funcionários federais foram liberados de suas funções, com impacto direto na vida cotidiana e no funcionamento de órgãos de pesquisa, transporte e segurança. Para a economia global, o recado vai além da interrupção pontual: ele expõe a vulnerabilidade de um país que, mesmo sendo o centro do sistema financeiro internacional, mostra dificuldades em manter previsibilidade mínima em sua gestão fiscal.

Wall Street reagiu com cautela, abrindo em queda, enquanto o ouro renovou máximas históricas e o dólar perdeu força diante de moedas fortes e emergentes. Esse movimento reflete uma busca por proteção em meio a um cenário de incerteza que transcende as fronteiras americanas. O sobe e desce nos mercados é apenas o sintoma visível de uma desconfiança maior: até que ponto o governo dos EUA conseguirá sustentar a credibilidade de sua política fiscal diante de tamanha polarização?

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Ouro em alta, dólar vacilante e o sinal da busca por refúgio

O metal precioso voltou ao centro das atenções, atingindo valores recordes em meio ao medo de um impasse prolongado. Em momentos de paralisia política nos EUA, o ouro se torna um termômetro da confiança internacional, pois reflete a fuga de capitais diante do risco de instabilidade. O comportamento do dólar também chama atenção: se por um lado continua sendo a moeda de reserva global, por outro perde fôlego quando cresce a percepção de que os próprios Estados Unidos podem comprometer sua previsibilidade econômica.

Esse quadro tem efeitos diretos sobre países emergentes. Moedas como o real brasileiro, o peso mexicano ou o rand sul-africano passam a oscilar mais fortemente, refletindo tanto a pressão do câmbio quanto a sensibilidade dos investidores a movimentos externos. A incerteza fiscal americana, portanto, não é um problema apenas doméstico; é um fator de instabilidade que se projeta sobre o comércio internacional, os fluxos de capitais e as estratégias de política monetária de diversos países.

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Polarização política e riscos para a credibilidade fiscal dos EUA

O impasse em Washington não se resume a um debate técnico sobre orçamento. Ele escancara a radicalização do ambiente político americano, no qual democratas e republicanos transformam o processo de aprovação de recursos em uma arena de disputas eleitorais permanentes. Esse modelo de governança, baseado em choques e paralisações, mina a confiança de parceiros internacionais e alimenta dúvidas sobre a capacidade do país de honrar compromissos de longo prazo.

A comparação com o shutdown de 2018-2019 é inevitável. Naquele momento, a paralisação durou 35 dias e só foi encerrada após atrasos em voos causados por controladores de tráfego aéreo. Agora, o risco é de um impasse ainda mais duradouro, já que as divergências não se limitam ao calendário orçamentário, mas incluem disputas sobre programas de saúde, cortes de gastos e até sobre o tamanho da máquina pública.

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O recado que ecoa para fora é que os Estados Unidos, que por décadas foram vistos como o pilar da estabilidade fiscal global, hoje revelam fragilidades que ameaçam corroer sua posição de liderança.

Essa percepção pode ter consequências de longo prazo. Quanto mais frequentes forem os shutdowns, mais os Estados Unidos se arriscam a transformar a exceção em rotina, com efeitos corrosivos sobre sua credibilidade internacional. A cada nova crise, cresce a sensação de que a política doméstica americana se tornou incapaz de oferecer ao mundo a segurança que dele sempre se esperou.

No curto prazo, a paralisação pode significar perda de empregos, suspensão de salários e retração de consumo interno. Mas, no plano internacional, o verdadeiro custo é a erosão da confiança. Num cenário global em que tensões geopolíticas já são elevadas — da guerra na Ucrânia às disputas comerciais entre China e Europa —, a instabilidade fiscal dos EUA adiciona mais uma camada de incerteza a um mundo que busca referências estáveis para atravessar crises.

José Carlos Sanchez Jr.

José Carlos Sanchez Jr.

Jornalista e redator especializado em economia, finanças e investimentos. É Administrador de Empresas com MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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